terça-feira, 23 de abril de 2013

A Responsabilidade Civil No Direito Do Ambiente


Responsabilidade Civil no Direito Do Ambiente

 

Introdução

A responsabilidade civil é um instituto cuja antiguidade remonta ao Direito Romano, mas que tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, adaptando- se às necessidades sentidas pelas sociedades modernas.

No entanto, muitas vezes, ele revela-se um meio inadequado de lidar com os constantes atentados ao Ambiente. Inadequado pelas dificuldades de prova dos seus rigorosos pressupostos, mesmo quando as razões de justiça permitam prescindir daquele pressuposto cuja prova pode ser mais difícil: a culpa. A responsabilidade objectiva, pelo risco ou por factos lícitos, é, sem dúvida, um grande avanço no sentido da correspondência do instituto às constantes necessidades da vida moderna, sem perda de justiça intrínseca.

Todavia, não é ainda suficiente para enquadrar todas as situações de dano e que tantas vezes por falta de prova de um ou outro pressuposto, ficam impunes e por indemnizar. A solução parece estar do lado da aposta em novos instrumentos jurídicos para a protecção do ambiente[1].

A responsabilidade civil da administração pública em matéria do ambiente, é um tema que respeita simultaneamente ao passado, ao presente e ao futuro do Direito Administrativo. E como referiu Gianni Maximo “ ao longo da história o homem cria, modifica, destrói o próprio ambiente, o próprio património cultural, o próprio património natural, a sua obra é contínua destruição”.

Assim, o objectivo será tentar perceber qual o impacto que o instituto da responsabilidade civil tem face ao direito do ambiente, que como se sabe é um Direito Fundamental[2], e na caracterização do ambiente como direito de fundamental, deve também destacar- se o seu entendimento como direito da personalidade humana, bem como a sua autonomia[3].

Desenvolvimento

Como supra se referiu o tema da responsabilidade civil em matéria da ambiente tem uma concretização no passado, no presente e no futuro.

Releva do passado, porque a problemática da responsabilidade da Administração Pública está na origem do direito administrativo, cuja “ certidão de nascimento” foi passada pelo Tribunal de Conflitos Francês, no acórdão Blanco, de 8 de Janeiro de 1873[4], relativo à posterior afirmação pelo tribunal de conflitos da “especificidade” das normas a aplicar à administração em matéria de responsabilidade civil.

Respeita ao presente, uma vez que a protecção do meio ambiente se tem tornado uma tarefa inevitável do Estado Moderno, obrigando à consideração autónoma das questões de responsabilidade ambiental; daqui resultando que o tema da responsabilidade administrativa em matéria do ambiente não pode deixar de ser considerado hoje em dia, no âmbito da problemática do estado de direito do ambiente.

E diz respeito ao futuro, uma vez que os “novos domínios” do direito do ambiente funcionam como verdadeiros “laboratórios” do direito administrativo, obrigando à reavaliação e ao reequacionamento de conceitos tradicionais e à criação de estruturas novas para realidades novas.

Antes de começar a tratar das questões de responsabilidade civil da administração pública, é importante relembrar que a constituição se ocupa das questões ambientais tanto de uma perspectiva subjectiva, enquanto direitos jurídicos; como de uma perspectiva objectiva, enquanto bens jurídicos fundamentais que impõem tarefas estaduais.

A responsabilidade civil directa do Estado esteve ausente das Constituições até 1933. Assim e com efeito as Constituições de 1822,1826,1838 e 1911 apenas consagravam a responsabilidade pessoal dos “ funcionários públicos” por todo o abuso e omissão pessoal no exercício das suas funções.

Foi com a Constituição de 1933 que se abandonou a tradição das anteriores Constituições e se incluiu no elenco dos direitos e garantias individuais dos cidadãos o direito ao ressarcimento dos danos efectivos, desde que previstos na lei.

A partir da Constituição de 1976, a consagração da responsabilidade civil do Estado passou a ser mais abrangente e a estar especificamente consagrada nos artigos 22º a 271º[5].

No que respeita à responsabilização civil pelos danos causados ao ambiente, esta começou por vir especificamente consagrada no artigo 66º. No entanto, com a revisão de 1989 a sua previsão especial passou a estar inserida na nova redação do artigo 52º nº3, relativo ao direito de acção popular.

Sendo certo que, a simples existência do artigo 66º e dos artigos 22º e 271º da Constituição, já seriam suficientes para responsabilizar o Estado pelos danos causados ao ambiente.

Com efeito, ao consagrar- se constitucionalmente o ambiente como direito fundamental, direito subjectivo público, este passa a ser um direito dos particulares oponíveis ao Estado.

Tal direito, para além do seu aspecto positivo (possibilidade de se exigirem actuações estatais com vista a defender o ambiente), tem também um carácter negativo, no sentido de que se exige ao Estado a abstenção de agressões ao ambiente, bem como a indemnização, nos termos da responsabilidade civil, pelos danos causados.

A questão que se coloca tem que ver com o problema da responsabilidade civil no domínio do ambiente, sobretudo se se tiver em conta o tratamento legislativo que parece ser marcada pela ideia de fragmentação. E isto a dois níveis:

1.       Do regime jurídico, em que se verifica um tratamento diferenciado da responsabilidade civil da administração e dos particulares no domínio do ambiente; como ainda no domínio da responsabilidade civil ambiental existe uma multiplicidade de fontes de direito (Constituição, D.L nº 48051, Lei de Bases do ambiente, Código Civil, Lei da Acção Popular) como ainda existe uma regulação parcelar e fragmentada da matéria, dado o carácter “ estanque” dos sucessivos tratamentos legislativos, que torna complexa a caracterização do instituto no domínio ambiental.

2.       Do tribunal competente, uma vez que as questões da responsabilidade civil no domínio do ambiente tanto são da competência da jurisdição comum como da jurisdição administrativa com os inerentes problemas de conflito de jurisdições. Em matéria de responsabilidade ambiental, esta dualidade de jurisdições torna- se ainda mais indesejável, causando “problemas insolúveis” de determinação de qual o tribunal competente para a reparação de danos causados pela administração pública[6].

Esta falta de unicidade de consideração das questões da responsabilidade civil no domínio ambiental, conduz a uma situação de verdadeira “manta de retalhos”.

Não obstante a fragmentação legislativa do tratamento da matéria, segundo o professor Vasco Pereira Da Silva é possível sistematizar a análise de acordo com três vectores que correspondem a três regimes jurídicos diferenciados, a saber[7]:

·         O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão Pública,

·         O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão privada,

·         O regime especial de Responsabilidade sempre que esteja em causa o Acto Popular,

Convém antes de tudo perceber quais os pressupostos ou elementos da responsabilidade civil, sendo eles:

1)      A existência de um facto, o dano tem que ter sido resultado de uma acção ou omissão voluntária do lesante, e não de um fenómeno natural;

2)      O facto tem que ser ilícito, isto é, deve ser resultado da violação de um direito alheio ou de uma lei que protege interesses alheios;

3)      A imputação do facto ao agente seja a título de dolo ou seja a título de negligência;

4)      A existência de um dano, o facto tem que ter causado prejuízos. Há dois tipos de danos:

a.       Dano Patrimonial que é aquele que incide sobre bens económicos e é susceptível de ser avaliado em dinheiro

b.      Dano não Patrimonial[8] que é aquele que não atinge bens económicos, como a saúde, a tranquilidade etc; e que como tal é insusceptível de avaliação pecuniária;

5)      A existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Só existe responsabilidade civil se se provar a existência de uma relação causa- efeito entre o facto e o dano, devendo ser uma causalidade probabilística[9].

Quanto ao regime da Responsabilidade por Actos de Gestão Pública; há que considerar que o ordenamento português ocupa- se da matéria da responsabilidade administrativa de acordo com uma regra de dualidade: de tratamento legislativo e de jurisdição competente. Assim, pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão privada, a administração responde segundo o direito civil perante os tribunais judiciais; e pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão pública, a administração responde segundo o direito administrativo perante os tribunais administrativos[10].

Em resultado de todas as transformações ao nível das formas de actuação, já não há mais que distinguir entre actuações administrativas de gestão pública e de gestão privada, visto que as actividades de carácter técnico da administração pública não se pautam por critérios estritamente jurídicos, tendo antes que ver com regras técnicas de actuação.

                Como escreveu em lições passadas, Vasco Pereira Da silva, “a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada em matéria de responsabilidade civil da administração pública, que está na base da dualidade de jurisdições actualmente em Portugal (…) não me parece fazer qualquer sentido, e (…) de iure condendo seria preferível proceder à unificação do regime jurídico e da jurisdição competente em matéria de responsabilidade da administração”.

                No entanto, o Professor refere que lhe parece ser o melhor caminho “ de iure condendo” para a responsabilidade administrativa em geral; já no que concerne à responsabilidade administrativa em matéria do ambiente, considera preferível regular específica e unificadamente todo o regime da responsabilidade civil. E isto porque entende que, no domínio do ambiente, as especificidades da temática da responsabilidade, indiferentemente de estar em causa uma actividade danosa realizada por uma entidade pública ou privada, justificam um tratamento diferenciado e unificado da matéria, da competência de um único tribunal[11].

                A matéria da responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública é regulada pelo D.L 48051, de 21 de Novembro de 1963, com a derrogação parcial do regime jurídico (o disposto no artigo 3º)[12], decorrente do preceituado no artigo 22º da Constituição, que estabelece que a responsabilidade das entidades públicas é sempre” solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes”.

De acordo com esse Diploma pode assumir três modalidades:

1)      Responsabilidade por facto ilícito culposo,

2)      Responsabilidade pelo risco,

3)      Responsabilidade por actos lícitos,

A Responsabilidade por facto ilícito culposo (vide o artigo 2º e segs do D.L 48051) é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa; de acordo com o artigo 6º do diploma supra, o facto ilícito tanto abrange “ os actos jurídicos incluindo os actos administrativos que violam as normas legais, as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis” como também todas as actuações que infrinjam “ as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em consideração”.

                Assim, tanto podem ser geradoras de responsabilidade actuações danosas (ex: decisão de construção de uma central nuclear, ou a autorização de instalação de uma indústria poluente) como actuações de carácter técnico lesivas do Ambiente.

 Para além de que o facto ilícito tanto pode ser uma acção como uma omissão administrativa. Logo, existe responsabilidade por acção, quando se está perante uma actuação administrativa lesiva do ambiente; ao passo que existe responsabilidade por omissão nos casos de “carência” de actuação, sempre que em virtude de abstenção ou de negligência, a administração não tenha praticado os actos que permitiriam assegurar e efectivar o respeito por certas normas.

No domínio do ambiente, para além das tradicionais relações bilaterais (entre particular e uma autoridade administrativa) são muito frequentes os actos administrativos com eficácia em relação a terceiros, praticados no âmbito de relações multilaterais, susceptíveis de gerar situações de responsabilidade administrativa relativamente aos particulares afectados nos seus direitos[13].

Quanto à culpa, esta tem vindo a ser reequacionada no domínio do ambiente, entendida no seu sentido de imputação de um facto a alguém, no caso, a uma autoridade ou um agente administrativo, seja a título de culpa “ individualizada” seja de “ culpa de serviço”.

Relativamente ao dano, também este no domínio do ambiente tem especificidades, podendo haver óbvias dificuldades de quantificação dos danos. Pense- se no caso de um incêndio florestal, que para além dos prejuízos concretos causados pela destruição das árvores pelo fogo, podem existir outros danos de difícil quantificação, como o da destruição da beleza da paisagem, ou do equilíbrio ecológico. Assim é necessário traçar a linha de fronteira entre danos admissíveis e danos inaceitáveis.

No Direito Alemão, o critério passou pela ideia de “insuportabilidade” ou “insuportabilidade” do dano, com o fim de limitar o montante da indemnização aos danos razoáveis. E esta tende a ser a solução adoptada pela Jurisprudência e Doutrina dos países europeus.

Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo é também de difícil verificação, porque a maioria das vezes ocorre um concurso de causas, mas também porque os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente como conjugados, ou até em colisão com outros factos; para além de poderem depender de circunstâncias externas[14].

Assim, a solução passa pelo estabelecimento de presunções de causalidade e na via alternativa poderia ser a consideração da necessidade “ de uma certa flexibilidade” na aplicação das regras de causalidade, recorrendo às regras de probabilidade.

No que toca à responsabilidade do Estado pelo risco, estatui o artigo 8º do D.L 48051 de 21 de Novembro que, “ o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza…”

De acordo com este preceito legal, a administração fica obrigada a indemnizar pelos danos causados em resultado do funcionamento de serviços administrativos especialmente perigosos ou de actividades da mesma natureza, sendo certo que, a perigosidade tem que revestir um carácter grave. Subjacente a este preceito está, ainda, a ideia de que, se a administração desenvolve uma determinada actividade perigosa para a prossecução de um interesse geral, os danos que daí possam ocorrer não podem ser suportados por algum ou alguns particulares, impõem- se, assim, à administração o dever de os ressarcir, a não ser em casos de força maior ou por facto culposo imputável ao particular[15].

A responsabilidade civil do Estado por factos lícitos encontra consagração expressa no artigo 9º do D.L 48051, no qual se diz: “ O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”; Quando o Estado ou as demais pessoas colectivas tenham, em caso de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemniza-lo”. Nos termos deste preceito legal são duas as situações que fazem a administração incorrer na obrigação de indemnizar, quando:

1)                         Realize uma actividade lícita com imposição de encargos especialmente anormais a determinados particulares;

2)                         Se verifique uma situação de estado de necessidade de um sacrifício especial por parte de um ou de alguns cidadãos[16].

Refira- se que a responsabilidade ambiental tanto pode dar origem a uma sentença de reconstituição natural da situação anterior à lesão, como a uma indemnização por sucedâneo pecuniário. Isso mesmo resulta do artigo 48º da Lei de bases do Ambiente, que estabelece no seu nrº1, a obrigação do lesante de “remover as causas de infracção e (…) de repor a situação anterior à mesma ou equivalente, assim como estipula no nrº3, o “pagamento de indemnização especial” em caso de impossibilidade de reconstituição natural.

                A Lei de Bases atribui grande importância à responsabilidade civil dedicando- lhe alguns artigos. A alínea h) do artigo 3º estabelece o princípio da responsabilização. O artigo 40º nrº 4 consagra um direito subjectivo ao ambiente; o artigo 41º por sua vez prescreve uma responsabilidade objectiva por danos ao ambiente. O direito de exigir uma indemnização pelos danos pode ser exercido pelos lesados, nos tribunais comuns, como estabelece o artigo 45º nrº2.

                Trata- se de uma previsão da Lei de Bases do Ambiente que é aplicável a todo o universo da responsabilidade ecológica, mesmo que administrativa.

                Relativamente ao regime da responsabilidade por actos de gestão privada, encontra-se regulada nos artigos 483º e seguintes do código civil; ou seja, é um regime de responsabilidade aplicável tanto às relações interprivadas, como às relações em que a administração pública intervém, mas “despida de poderes de autoridade”, conforme ditava a doutrina clássica. Já atrás se criticou esta distinção entre gestão pública e gestão privada; pelo que agora cabe apenas analisar o respectivo regime jurídico- o qual, nem sequer é tão distinto daquele que vigora para a gestão pública[17]

A responsabilidade por factos ilícitos encontra- se regulada nos artigos 483º e seguintes do código civil, e assenta nos clássicos pressupostos: facto ilícito, culpa do agente, dano, nexo de causalidade entre facto e prejuízo. Refira- se, todavia, que a responsabilidade das autoridades públicas pelos actos dos seus órgãos, funcionários e agentes, é solidária (artigo 501º c.c), nos mesmos termos em que o é igualmente a responsabilidade dos comitentes em relação aos actos dos seus comissários (artigo 500º) - solidariedade que se verifica, hoje, face à responsabilidade administrativa por acto de gestão pública, de acordo com o estabelecido no artigo 22º da Constituição.

A responsabilidade objectiva está regulada nos artigos 499º e seguintes do código civil, no entanto, no domínio da responsabilidade ecológica interessa o artigo 509º, relativo aos danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás, que pode configurar uma hipótese de lesão do ambiente.

Para além desta previsão específica em matéria ambiental, existe ainda, no artigo 41º da Lei de Bases a consagração de uma outra modalidade de responsabilidade objectiva da competência dos tribunais comuns. Assim, de acordo com o nrº 1 “ existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável”. Ao passo que o nrº 2 estabelece que o “ quantitativo da indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar”. Põe- se o problema de saber qual o sentido desta previsão genérica de responsabilidade ambiental, aplicável às lesões do ambiente provocadas quer por actuações de privados quer por actuações da gestão privada de entidades administrativas, dado se remeter a fixação do quantitativo da indemnização para lei posterior, que ainda não existe. Assim, e na ausência de legislação específica tem sido defendida a posição de que o lesado “ tem, segundo o artigo 41º, o direito a uma indemnização nos termos da responsabilidade objectiva”, uma vez que, apesar da falta de regulamentação, se trata de “ uma disposição legal (…) imediatamente aplicável, e caberá, naturalmente, aos tribunais definir o alcance dessa responsabilidade”.

                Esta posição de aplicabilidade directa da responsabilidade objectiva prevista na Lei de Bases do Ambiente é reforçada, fazendo apelo ao direito fundamental ao ambiente (artigo 66º da Constituição). Isto porque a previsão legal da responsabilidade objectiva se encontra regulada na Lei de Bases do Ambiente, que é uma lei concretizadora do direito fundamental ao ambiente, o qual na sua vertente negativa, de direito subjectivo, goza de aplicabilidade imediata e vincula entidades públicas e privadas (vide o artigo 18º nrº1 da Constituição por força do artigo 17º da mesma).

                Directamente relacionada com a questão da responsabilidade objectiva está a do seguro obrigatório de responsabilidade civil relativamente a “actividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente”, constante do artigo 43º da Lei de Bases, e que surge como contrapartida do alargamento da responsabilidade objectiva, numa lógica de socialização do risco de certas actividades lesivas do ambiente.

                De referir, que tais seguros[18] de responsabilidade civil para actividades que envolvam risco para o ambiente (e que tanto podem ser privadas como administrativas) têm importantíssimas vantagens, por exemplo, o facto de estabelecerem um regime de incentivos relativamente a atitudes favoráveis ao ambiente por parte dos particulares, em virtude da existência de prémios de seguro; permitem ainda a redução dos custos administrativos de fiscalização do cumprimento das regras jurídicas em matéria de ambiente, transferindo- os parcialmente para as empresas seguradoras; entre muitas outras.

                Torna- se fundamental chamar à colação um regime especial de responsabilidade, que é comum a actos de gestão pública e de gestão privada, sempre que esteja em causa o actor popular. A Lei nrº 83/95, ao regular o direito de participação procedimental e de acção popular, estabeleceu igualmente regras aplicáveis à responsabilidade administrativa no domínio ambiental; estando em causa a realização de uma disposição da lei fundamental relativa ao direito de petição e de acção popular, constante do artigo 52º da Constituição.

                A revisão constitucional de 1989 consagrou um alargamento do direito de acção popular para defesa de direitos fundamentais, estabelecendo que “ é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular (…), nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a (…) degradação do ambiente e da qualidade de vida (…), bem como de requerer a correspondente indemnização” (vide o artigo 52ºnrº3 da Constituição).

                Assim sendo, a Lei da Acção Popular tem uma importante aplicação em matéria de responsabilidade ambiental, de modo a permitir uma tutela adequada tanto daqueles casos em que se verifica a lesão objectiva de um bem (público); como daqueloutros em que existe a lesão de interesses de grupo (ou interesses individuais homogéneos).

 

Conclusão

 

Do que fica dita, é incontornável que a responsabilidade ambiental é inequívoca e está regulada em três tipos de processos: a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão privada; a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão pública e a responsabilidade civil do Estado quando está em causa o actor popular.

Apesar dos seus pressupostos serem equivalentes, note-se que, em matéria de ambiente é precisamente a responsabilidade civil por actos de gestão pública que, ao prever a violação de normas de carácter técnico, alarga o conceito de ilicitude, abrangendo a maior parte dos problemas ambientais.

Apesar dessa concretização, torna- se, contudo, óbvio que o instituto da responsabilidade civil é insuficiente para fazer face a todos os problemas relacionados com questões ambientais. Desde logo, porque não prescinde de um dano individualizável, o que, se relativamente ao dano ambiental ainda vai sendo possível, torna- se impossível para o dano ecológico.

Acresce que, o dano ambiental mesmo que individualizável é anónimo de causador, uma vez que na maioria dos casos são muitos os factos e agentes que o provocam; mas mesmo nos casos em que se determina o lesante e o lesado, o instituto da responsabilidade revela- se inadequado, pois as indemnizações são vistas, pelos poluidores, como custos de produção com direito de pagamento diferido face a demoras dos processos judiciais.

A responsabilidade em matéria ambiental encontra, ainda, sérias dificuldades de prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano ocorrido.

É inequívoco que os desafios ambientais colocados pela evolução tecnológica lançam a cada momento novas questões com uma complexidade jurídica tremenda, que tornam o regime clássico da responsabilidade num instituto demasiado frágil. É assim urgente a sua adaptação ao problema actual que é o Ambiente, redefindo- se o conceito de dano, prevendo- se novas formas de direito probatório e adequando- se uma melhor regulamentação do seguro de responsabilidade civil ambiental.

Em suma, quem sabe se a solução para os problemas ambientais não passam pelo recurso a novos instrumentos de protecção jurídica do ambiente, nomeadamente, instrumentos de cariz iminentemente preventivo.

Bibliografia

 Da Silva, Vasco Pereira “ Verde cor de Direito” in Lições De Direito Do Ambiente;

Canotilho, José Gomes; “Introdução Ao Direito Do Ambiente” in Coordenação Científica;

Amaral, Ivone Rocha; “A Responsabilidade Civil Do Estado” in Direito Administrativo do Ambiente;

Amado, Carla Gomes; “ Introdução Ao Direito Do Direito”;

 

 

Trabalho realizado por Marta Araújo, subturma 7



[1]  A relacionação do instituto da responsabilidade civil, que já vem do direito romano, com o Direito do Ambiente, de acordo com Gilles Martin, conduz a uma espécie de “renascimento do direito da responsabilidade civil”, ao ser associado a um “Direito realmente muito jovem, muito específico, um Direito mutante, um Direito de uma nova espécie” (Gilles Martin, “Responsabilité Civile et Protection de L´Environnement  Introduction”, in “Ambiente- Textos”, Lisboa, 1994, p.393).
[2]  Consagração expressa na Constituição, que acolhe o ambiente como direito fundamental do cidadão e como “tarefa fundamental do Estado” a sua preservação e concretização – art.9º al.d) e e)
[3]  Da mesma forma que deixámos vincada a autonomia do ambiente, enquanto bem jurídico, também como direito fundamental ele é protegido com autonomia relativamente a outros direitos que lhe são próximos, por exemplo: direito à saúde, à propriedade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[4]  Processo assente na recusa da jurisdição comum em atribuir uma indemnização a uma criança de 5 anos de idade, Agnès Blanco, atropelada por um vagão carregado de tabaco, empurrado por quatro operários de uma empresa tabaqueira pública e da posterior afirmação pelo tribunal de conflitos da “ especificidade” das normas a aplicar à administração em matéria de responsabilidade civil, com o fim de minorar aquela última em nome da protecçãp do “serviço público”.
[5]  A Constituição passou ainda a consagrar, em vários outros artigos, diferentes formas de responsabilização, como é o caso do artigo 27º nº5, relativo à responsabilidade do Estado por privação da liberdade; do artigo 29º nº6 relativo à responsabilidade por danos causados por condenação injusta; do artigo 62º nº2, respeitante à responsabilidade por requisição/ expropriação por utilidade pública.
[6]  Dir- se- ia, no que respeita à responsabilidade administrativa em matéria de ambiente que se verifica uma “duplicação” dos problemas decorrentes da dualidade de jurisdições.
[7]  Trata- se da consagração legal de três blocos autónomos de tratamento da matéria de responsabilidade administrativa; não se tratando, contudo, de uma tripartição de ordem lógica.
[8]  Danos que não podem ser reparados porque é impossível apagar, por exemplo, as dores ou o desgosto sofrido; no então é possível a sua compensação.
[9]  Considera- se que um determinado facto foi causa de um determinado dano se, de acordo com as regras de experiência normal, aquele tipo de factos for adequado a causar aquele tipo de danos.
[10] A reforma do Contencioso parece apontar no sentido da unificação do regime jurídico, assim como da jurisdição competente, no domínio da responsabilidade civil da administração pública (vide as propostas de lei nrº 92/VIII Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 95/VIII, Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado).
[11] O que em nada contrariaria as disposições constitucionais, que não atribuem à jurisdição administrativa o “exclusivo” do julgamento das relações administrativas, conforme é, de resto, o entendimento da Doutrina e Jurisprudência (artigo 212º da Constituição).
 
[12]  O artigo 3º nº1 do D.L 48051, estabelecia que “ os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedidos os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente”. O que se deve considerar caducado por inconstitucionalidade superveniente, uma vez que a Constituição impõem que, mesmo nestes casos, para além da responsabilidade pessoal do funcionário ou agente, exista sempre responsabilidade solidária por parte das entidades públicas (sem prejuízo do eventual direito de regresso posterior).
[13]  Exemplo de responsabilidade administrativa no quadro de uma relação multilateral é o caso dos danos causados “ por empresas privadas contratadas para a realização de obras públicas, para a produção de bens, ou para a prestação de bens e serviços”. Sendo, então, preciso apurar se os danos (materialmente) causados por uma empresa privada contratada pela administração são inerentes à execução da obra, à produção de bem ou à prestação do serviço, ou se resultam de erros de concepção, casos em que a responsabilidade cabe, em princípio, à entidade administrativa contratante, ou se resultam de erros de execução, caso em que a responsabilidade caberá, em princípio, à empresa contratada. (Pedro Gonçalves, “Os Meios de Tutela perante os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa” in “ Lusíada”, cit.,pp 72e 73).
[14]  Como as condições meteorológicas do momento, ou a propagação através das águas.
[15]  Em matéria de ambiente, assumem particular importância o caso das centrais nucleares.
[16]  O exemplo clássico desta obrigação de indemnização por parte da administração pública é a expropriação, no entanto muitas outras situações são geradoras de responsabilidade em especial em matéria de ambiente. Que outra forma haveria de compensar um vizinho de um aterro sanitário? Concretizam situações em que a aposição do particular, vítima desse prejuízo “ especial” e “anormal”, se assemelha ao daqueloutro que foi expropriado.
[17]  O que só por si é mais um argumento a favor da unificação de todo o regime da responsabilidade administrativa, em geral, e de toda a responsabilidade civil em matéria de ambiente.
[18]  A existência de seguros no domínio da responsabilidade ambiental, seja no respeitante a privados seja em relação a entidades públicas, constitui um meio adequado de realização dos objectivos de prevenção e reparação de danos provenientes de actividades susceptíveis de fazer perigar o ambiente.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Vale assume dois novos compromissos para reduzir gases de efeito estufa

http://www.vale.com/pt/aboutvale/news/paginas/vale-assume-dois-novos-compromissos-para-reduzir-gases-de-efeito-estufa.aspx


A Vale atualmente é no cenário mundial uma das empresas de maior destaque no ramo da mineração. E seus louros não são devido apenas a sua excelência na atuação profissional. A empresa solidificou também a sua marca devido a proeza de conseguir conciliar, com muito sucesso, as atividades de extração com um efetivo desenvolvimento sustentável. Com seus olhos sempre voltados para as questões ambientais, a ideia é de ponderar o uso dos recursos naturais de um forma menos agressiva a natureza.

LÍLIA GOMES OLIVEIRA - NÚMERO DO ALUNO 23919

PRIMEIRO TRABALHO DE DIREITO DO AMBIENTE - LÍLIA GOMES OLIVEIRA






Direito do Ambiente
O Princípio da Preocupação: Autonomia e objeto



Lília Gomes Oliveira















Lisboa, 2013.
INTRODUÇÃO
“O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.” (Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano/1972)
            O Direito do Ambiente surge na contemporânea conjuntura jurídica como meio legal de tutelar o uso dos componentes ambientais naturais, quer numa perspectiva restrita, quer numa modalidade de conceito amplo, ou seja, englobando os componentes ambientais construídos pela racionalidade humana. Ramo recente e interdiscipinar do Direito, que se revela com a finalidade precípua de velar pela utilização do ambiente de uma forma mais equilibrada e sustentável, a fim de solidificar um verdadeiro desenvolvimento sócio-econômico das sociedades.                                                                             O homem tem resguardado o seu direito fundamental a uma existência em um meio ambiente equilibrado e conservado, como elemento constitutivo da máxima da “dignidade da pessoa humana”. O meio ambiente é assim, bem jurídico de direitos individuais e ao mesmo tempo, numa dimensão coletiva, de direitos difusos. No que se concerne a “geração de Direitos Humanos” (conceito que para o Professor Vasco Pereira a Silva se revela cabível para designar as fases de execução dos direitos dos indivíduos), o direito do ambiente se configura na Terceira geração, como um desdobramento e aperfeiçoamento dos direitos do Homem (primeira geração direitos políticos e civis e na segunda direitos sociais e económicos), enquanto garantia difusa e coletiva, direito de todos os cidadãos.                                                                                        Hodiernamente, a preocupação em desenvolver estudos mais afincos em matéria ambiental, vem em decorrência do surto de desenvolvimento que a humanidade vivencia e da consequente necessidade de repensar o destino e a durabilidade dos bens naturais que dispomos, enquanto bens não renováveis, carentes de proteção, e indispensáveis para a existência terrestre. A questão ambiental é hoje vislumbrada como um “problema político”, carente de medidas de ordem pública e feitos vinculativos a todos, uma vez que a interpretação constitucional é do meio ambiente enquanto bem jurídico de interesse e direito difuso.                                                                             Desta forma, preceitos constitucionais passam a ocupar- se das matérias ambientais, revelando-se protetora do direito alienável ao ambiente e vida, tanto na Constituição material (na Constituição Portuguesa no artigo 66, e na Carta Magna Brasileira especificamente no artigo 22), quanto na previsão formal, enquanto detentora de princípios integrantes do ordenamento jurídico. A previsão constitucional das questões do ambiente, se revela como um nítido avanço na esfera jurídica desse tema, enquanto antes era contemplado apenas em disposições infraconstitucionais. A Carta fundamental enquanto reflexos da realidade concreta da vida e dos fatos sociais, dos anseios e aspirações dos cidadãos, vem a expressar de forma irrefutável a relevância que o tópico tem representado na ordem do dia. Abordagem jurídica que se volta ao propósito de resguardar e  promover operante a natureza e o ambiente frente aos ataques humanos; regulamentar e instruir o vínculo necessário e delicado que existe entre os
 bens ambientais e os interesses humanos.                                                                           A custódia estatal do ambiente se perfaz nas sociedades modernas como medidas inerentes e indispensáveis a uma postura ecologicamente consciente e em defesa das ameaças quiçá fatais da ingerência desenfreada no seio ambiental. Através de tais garantias constitucionais, que delimita competências e estabelece diretrizes, o Estado tem imputações objetivas de dever de agir de forma a concretizar não apenas os imperativos legais, mas também os valores previstos nos Princípios do Meio Ambiente, que se prestam a tecer alternativas e posicionamentos mais educados e menos ofensivos as realidades ambientais. Através da atuação administrativa, o poder público tem o dever a promover ações efetivamente viáveis para disciplinar a integridade do meio ambiente em relação as necessidades humanas.                                                                  Diante do exposto, veremos de forma breve, como a ideologia ambiental rumo a uma proteção ecológica tem se configurado no atual painel social e jurídico, por meio dos caminhos delineados pelo Princípio da Precaução.


















1.      A principiologia Ambiental
O sentimento de incerteza quanto ao futuro ambiental da humanidade é perene e evidente em todos os debates atuais sobre a questão ecológica. Os desastres naturais em larga escala, bem como diversas alterações climáticas e outros transtornos ambientais, vem ilustrar claramente o triste enquadramento em que nos encontramos em razão da ingerência destruidora do homem. Desta maneira, devido as grandes polêmicas ambientais que estão a ser mais frequentes e analisadas, o Direito do Ambiente passa a ter maior relevância jurídica, erigindo seus Princípios a gravitarem por vezes acima da Magna Carta, na categoria de “Direito Humano Fundamental”. No que se concerne ao Direito do Ambiente, os princípios seriam alicerces, pilares de estruturação para o desenvolvimento teórico e prático do seu estudo e efetividade. Nesta temática, os “Princípios jurídicos do Ambiente” se situam como fonte normativa, implícita ou explícita, de caráter geral e abstrato, que se prestam a ser norte orientador de interpretação e a dar arcabouço para a estruturação aos demais preceitos e ações legais nessa matéria. Visando uma conceituação mais doutrinária, se faz pertinente, expor uma definição de princípio realizada por Lopes (1999, p. 55):
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à tônica e lhe dá sentido harmônico”.
 No âmbito jurídico ambiental, o desejo premente da aplicação desses Princípios é em suma, conferir eficácia as lições de respeito à natureza e aos seus componentes. Outro produto que se almeja extrair da observância desses princípios, é o desenvolvimento urbano-social sensível as questões ambientais. Destarte, esse trabalho visará a discorrer, ainda que de forma sucinta, sobre um desses Princípios que se revela compromissado a alcançar esses fins: o Princípio da Precaução, numa óptica menos fundamentalista e mais situado na conjuntura social.                                                       O Princípio da Precaução surge como corolário do Princípio da Prevenção. Muitos associam erroneamente a ambos os conceitos a mesma definição, uma vez que ambos objetivam os mesmos fins, evitar danos ao meio ambiente. O Princípio da Prevenção e da Precaução se estabelecem na relação gênero, espécie, respectivamente. Contudo, a diferenciação é mais utilizada em trabalhos doutrinários, a Constituição Brasileira de 1988, acaba associando os dois princípios como sinônimos. Para fins didáticos e sistemáticos deste trabalho, será estabelecida uma breve distinção entre as duas expressões.                                                                                                                      O Princípio da Prevenção preceitua que as ações basilares do Direito Ambiental, são as que visem evitar e identificar preventivamente a consumação de riscos e atentados que certas atividades possam trazer ao meio ambiente. Seu objetivo precípuo não é reparar danos ambientais, mas antes disto, evitá-los, identificando o quão cedo possível a existência de situações potencialmente lesivas ao meio ambiente, uma espécie de “tutela antecipada”. Visa através de ações da administração pública, evitar lesões com a antecipação da proteção da natureza. Assim, o Princípio da Prevenção se apresenta, como bem elucida Antunes (2008, p. 45) como:
“O princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para identificação de impactos futuros. Com base no princípio da prevenção, o licenciamento ambiental e, atém mesmo, os estudos de impacto ambiental podem ser realizados e são solicitados pelas autoridades públicas. (..) O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar e mitigar os danos que uma determinada atividade causaria ao meio ambiente, caso não fosse submetida ao licenciamento ambiental.”
Desta maneira, o Princípio da Precaução emana como uma “especialização” do Princípio da Prevenção. Segundo os ditames deste princípio, inovações e medidas inéditas no tocante a ações relacionadas o meio ambinete,  não poderiam ser autorizadas se não tivessem um “risco zero” ambiental. Ele exige um extremo rigor científico, a fim de auferir com o máximo de precisão matemática possível, se a adoção de determinada ação vanguardista seria lesiva em algum aspecto ao ambiente. Se a análise fosse tendenciosa a mostrar a possibilidade de reações adversas a natureza, tais procedimentos teriam que ser vedados.                                                                                                        Sob este prisma que será desenvolvido este trabalho, as dimensões do Princípio da Precaução situadas num contexto de desenvolvimento socio-econômico. Seriam as perspectivas do Princípio da Precaução, o mais adequado embasamento jurídico a condicionar a concretização de políticas públicas em matéria ambiental? Em que termos deve ser efetivado tal princípio, de modo que se revele eficaz na proteção do meio ambiente, sem ao mesmo tempo ser um óbice aos avanços tecno-científicos que de alguma forma afetam o ecossistema em que será empregado? Qual é o critério de quantificação para a análise de tais riscos ao meio ambiente?

2.      O Princípio da Precaução e a Atuação Pública

A II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992 foi o acontecimento pioneiro a esgrimir a abordagem dos Princípios da Prevenção e da Precaução. Foi em tal evento, que a discussão sobre os princípios e outras diretivas do meio ambiental foram elencadas num debate a nível internacional. Outro conceito introduzido e largamente colocado em questão foi o “desenvolvimento sustentável”. Além da consagração de tais concepções ambientais, a CNUMAD teve como objetivo precípuo a busca de alternativas viáveis que possibilitem modificar a relação inversamente proporcional existente entre crescimento econômico e equilíbrio ecológico, de forma que tanto os países desenvovidos como os em desenvolvimento alcançassem de fato um desenvolvimento estruturado na sustentabilidade.                    Para a concretização de horizontes tão visionários, era imprescindível que como base para a execução de um modelo de crescimento econômico menos ofensivo e danoso a estabilidade ecológica, estivesse a estrita observância aos Princípios Ambientais da Prevenção e da Precaução. Assim, A CNUMAD estabeleceu no seu Princípio 15 que “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.                                                                      O princípio da precaução é positivado no ordenamento pátrio brasileiro na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938, de 31/08/1981, pontualmente no que tange as disposições do artigo 4, incisos I e IV. Em tal diploma normativo, está expresso o objetivo de conciliar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, através do aperfeiçoamento de pesquisas e de tecnologias que comportem o uso racional de recursos ambientais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.                         A fundamentação legal do princípio da precaução espelha a relevância que a questão ambiental apresenta no cenário político nacional, além de representar o intuito de otimizar a proteção do meio ambiente. Juntamente com a missão Constitucional prevista no disposto na Carta Magna no artigo 225, §1, inciso V, e com a complementação da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998, art. 54, § 3º), que elucidam o referido princípio em seus textos normativos; é construído um arcabouço jurídico que fundamenta a imposição de diretrizes ao poder público a fim de adotarem medidas e posturas ambientais suficientemente capazes de normatizar atividades que possam lesar de forma insuportável o meio ambiente, além de impor imperativos que visem intimidar tais ações danosas, ou ainda que consigam cessar quando já existente e se possível minimizar e reparar seus efeitos. Em suma, o princípio da precaução visa medidas de governabilidade afirmativa em prol do meio ambiente, operatividade de políticas públicas a fim de cristalizar lições de respeito à natureza.                    Adiciona-se a este panorama, que será no cenário de atuação do princípio da precaução e em alguma medida também o da prevenção, que se desenvolvem pesquisas sobre a dimensão dos impactos ambientais, os processos de licenciamento prévio, bem como penalizações, como medida de estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente” (FIORILLO, 2009, p. 55). No que concerne a afirmativa anterior, é que se enquadra o denominado Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA, exigência técnica que tem por finalidade fundamentar e regular requisições de licenciamento/autorização ambiental de atividades tendenciosas ou efetivamente impactantes. O documento se presta a tentar dimensionar, dentro das possibilidades metodológicas atuais, considerando critérios científicos, lícitos, qualitativos e administrativos, os possíveis impactos e consequências negativas que determinado empreendimento pode ocasionar a um bem ambiental. Se a avaliação dos meios e fatores naturais envolvidos no empreendimento correrem algum tipo de “risco”, a expedição e autorização pública-administrativa para tal ato deve ser expressamente indeferida. Esta atuação paternalista do poder público manifesta de forma concreta a qual propósito o princípio ambiental em tela se volta, vedar situações de que alguma forma são previsivelmente lesivas a ordem ambiental, tendo como escopo final, consequentemente a proteção e a qualidade da vida humana.

3- A relatividade do Princípio da Precaução
Mesmo com a indelével relevância da sistemática do princípio da Precaução para a proteção do meio ambiente, a teoria ainda sofre severas críticas quanto a mensuração dos seus critérios, no que tange a quantificar quais seriam ou não ações prejudiciais a estrutura ambiental e que deveriam assim ser proscritas. A doutrina desse postulado é censurada no tocante a impossibilidade de auferir com precisão o denominado “risco zero”. Ora, mesmo com todos a perspicácia das investigações científicas, e o rigor técnico a que as experiências são submetidas, ainda assim não existem por completo provas irrefutáveis.                                                                                                               A razoabilidade, o bom senso e sobretudo o exercício de ponderação dos valores que estão em cheque, devem ser inerentes a análise dos possíveis riscos. Ponderar as vantagens e danos, e assim raciocinar sem extremismos qual a alternativa mais compensável em um contexto global, considerando sempre as formas de reduzir as proporções lesantes.  O sentimento útil da precaução é comprovar se em determinado ato inovador há mais vantagens do que riscos, não deve ser utilizado como forma de vedar e dispensar tudo que é novo. Esse embasamento é o invocado para defender uma concepção “economicista”, que tende a precingir apenas os danos com real e manifestamente evidência a causar ofensas irreparáveis ao meio ambiente. Dessa corrente interpretativa é que delinea pontos delicados que circundam o emprego real dos mecanismos do princípio da precaução. A grande inquietude que deriva desse entendimento do princípio da precaução, surge da possibilidade de seu rigor implicar em uma estagnação da economia e do desenvolvimento de uma sociedade, uma vez que é dispensada a causalidade concreta (efetivo amoldamento da conduta lesiva com o dano material), deve também ser considerada a causalidade em abstrato. Desta forma, bastaria a comprovação da causalidade, em concreto ou em abstrato, para que fundamentasse uma responsabilidade civil.                                                                                  Para muitos doutrinadores do direito do ambiente, essa postura mais conservadora é necessária devido a frequente impossibilidade de reparar lesões ultrajantes ao meio ambiente. Desta forma, prima pela pela máxima de evitar o dano, em vista da inviabilidade de remedia-lo. Esse entendimento maximalista face o conteúdo normativo da precaução, justifica a pretensão do uso da inversão total do ônus da prova; caberia ao mentor do projeto o encargo probatório da integral e inquestionável inocuidade da atividade que pretende desenvolver.                                                                       Existe ainda, um terceiro posicionamento quanto ao conteúdo interpretativo e a extensão da aplicabilidade do Princípio da Precaução. Ele assume um perfil menos extremista e idealista que os anteriores, se colocando como um sentindo misto e moderado das acepções já elencadas. A concepção “intermédia” tende a oferecer maior dinâmica e efetividade a Precaução, de modo que esse não fique apenas como sombra, ou à margem do princípio da prevenção, ao passo que também evite uma autonomia fundamentalista e utópica, que exige exatidões extremas que acabam por engessar as suas funções. Esse entendimento, à luz das atuais necessidades do quadro ambiental e social, traduz com melhor veracidade o âmago do princípio da precaução.  Sua meta é harmonizar a relação entre acrescer os horizontes econômicos, políticos e sociais  e defender o meio ecológico. Assim, essa abordagem intermediária e moderada da precaução, com a devida vênia, é a nosso ver a que melhor corresponde as expectativas de tal princípio ambiental. Por se comprometer em buscar soluções mais sensatas, de forma que não vede toda e qualquer ingerência na estrutura ecológica, que por vezes é inevitável, coibindo absurdamente qualquer empreendimento; mas que também discipline de forma racional, responsável e atenta os diversos fatores de risco. Deve-se almejar um estado de equilíbrio e de proporcionalidade entre a ponderação dos riscos e os resultados concretos.


























CONCLUSÃO
Com a consagração do direito ao usufruto e gozo de um meio ambiente equilibrado e saudável na categoria irrevogável de princípio fundamental, o tema ecológico se projeta no cenário jurídico como carente de proteção e visando assegurar a tal garantia constitucional segurança e efetividade jurídica. O meio ambiente passa a ser um bem jurídico disponível a fruição individual e generalizada, o alargamento da legitimidade de benefício e deveres é a evolução a nível global da realidade ambiental.                   Assim, os novos problemas (como o desenvolvimento industrial, consumo desenfreado, desperdício e poluição) e as infelizes realidades ambientais desencadearam um cenário de instabilidade e degradação ecológica que não poderia mais passar despercebido aos olhos da sociedade. Medidas de cautela e defesa se faziam inadiavelmente necessárias. Caberia assim, ao poder público, uma vez detentor da missão de velar pelos interesses e direitos dos cidadãos, exercer ações administrativas a fim de disciplinar com efeito vinculativo a interferência humana na natureza e nos seus componentes. Neste contexto, surgem os princípios ambientais, para direcionar a proteção ao meio ambiente.                                                                                                    O Princípio da Precaução se revela como uma alternativa capaz de gerir e supervisionar de modo antecipado as possíveis agressões ao meio ambiente, com a finalidade de através da mensuração anterior dos possíveis riscos ambientais, implantar ações para evitá-los ou pelo menos reduzi-los.  Sua gênese remonta da doutrina alemã e data do período dos anos 70, 80, denominado assim naquele contexto por “vorsorgeprinzip”, e que depois foi traduzido, recebendo a nomenclatura de “precautionary principle”.                                                                                                    Diante de várias produções interpretativas sobre seu conteúdo de conceito, sua definição abrange, como bem elenca Derani, uma ideia de cuidado, nas palavras do autor: “O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente a uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar” [...]. (1997, p.167). Porém mesmo possuidor de uma definição, sua classificação como princípio autônomo ainda é objeto de intensa celeuma quanto independência frente ao princípio da prevenção. Precaução e Prevenção seriam para muitos doutrinadores e estudiosos do tema ambiental considerados sinônimos, uma vez que a dimensão de ambos os princípios remetem a objetivos comuns: impedir com antecedência que o dano ambiental se concretize.                                                                                    Independente de discussões sobre sua liberdade principiológica, a precaução deve ser invocada como um princípio jurídico ambiental precetor e orientador de políticas ambientais, infligindo aos poderes públicos o desenvolvimento e implantação de instrumentos jurídicos aptos a regulamentar, controlar, disciplinar as nuances lesantes que atingem a estrutura ambiental.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GOMES, Carla Amado, Textos Dispersos de Direito do Ambiente e matérias relacionadas -II vol., Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2008, p. 23 e seguintes.
 
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Cláudia Maria Cruz Santos, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria ALexandra de Souza Aragão, Coordenação Científica de José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Estudo do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental – 7ª edição – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005