Direito do Ambiente - Blogue Geral da Turma A
segunda-feira, 29 de abril de 2013
terça-feira, 23 de abril de 2013
A Responsabilidade Civil No Direito Do Ambiente
Responsabilidade Civil
no Direito Do Ambiente
Introdução
A
responsabilidade civil é um instituto cuja antiguidade remonta ao Direito
Romano, mas que tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, adaptando- se às
necessidades sentidas pelas sociedades modernas.
No entanto,
muitas vezes, ele revela-se um meio inadequado de lidar com os constantes
atentados ao Ambiente. Inadequado pelas dificuldades de prova dos seus
rigorosos pressupostos, mesmo quando as razões de justiça permitam prescindir
daquele pressuposto cuja prova pode ser mais difícil: a culpa. A
responsabilidade objectiva, pelo risco ou por factos lícitos, é, sem dúvida, um
grande avanço no sentido da correspondência do instituto às constantes
necessidades da vida moderna, sem perda de justiça intrínseca.
Todavia, não é
ainda suficiente para enquadrar todas as situações de dano e que tantas vezes
por falta de prova de um ou outro pressuposto, ficam impunes e por indemnizar. A
solução parece estar do lado da aposta em novos instrumentos jurídicos para a
protecção do ambiente[1].
A
responsabilidade civil da administração pública em matéria do ambiente, é um
tema que respeita simultaneamente ao passado, ao presente e ao futuro do
Direito Administrativo. E como referiu Gianni Maximo “ ao longo da história o
homem cria, modifica, destrói o próprio ambiente, o próprio património
cultural, o próprio património natural, a sua obra é contínua destruição”.
Assim, o
objectivo será tentar perceber qual o impacto que o instituto da
responsabilidade civil tem face ao direito do ambiente, que como se sabe é um
Direito Fundamental[2], e na
caracterização do ambiente como direito de fundamental, deve também destacar-
se o seu entendimento como direito da personalidade humana, bem como a sua
autonomia[3].
Desenvolvimento
Como supra se
referiu o tema da responsabilidade civil em matéria da ambiente tem uma
concretização no passado, no presente e no futuro.
Releva do
passado, porque a problemática da responsabilidade da Administração Pública
está na origem do direito administrativo, cuja “ certidão de nascimento” foi
passada pelo Tribunal de Conflitos Francês, no acórdão Blanco, de 8 de Janeiro
de 1873[4],
relativo à posterior afirmação pelo tribunal de conflitos da “especificidade”
das normas a aplicar à administração em matéria de responsabilidade civil.
Respeita ao
presente, uma vez que a protecção do meio ambiente se tem tornado uma tarefa inevitável
do Estado Moderno, obrigando à consideração autónoma das questões de
responsabilidade ambiental; daqui resultando que o tema da responsabilidade
administrativa em matéria do ambiente não pode deixar de ser considerado hoje
em dia, no âmbito da problemática do estado de direito do ambiente.
E diz respeito
ao futuro, uma vez que os “novos domínios” do direito do ambiente funcionam como
verdadeiros “laboratórios” do direito administrativo, obrigando à reavaliação e
ao reequacionamento de conceitos tradicionais e à criação de estruturas novas
para realidades novas.
Antes de
começar a tratar das questões de responsabilidade civil da administração
pública, é importante relembrar que a constituição se ocupa das questões
ambientais tanto de uma perspectiva subjectiva, enquanto direitos jurídicos;
como de uma perspectiva objectiva, enquanto bens jurídicos fundamentais que
impõem tarefas estaduais.
A responsabilidade
civil directa do Estado esteve ausente das Constituições até 1933. Assim e com
efeito as Constituições de 1822,1826,1838 e 1911 apenas consagravam a
responsabilidade pessoal dos “ funcionários públicos” por todo o abuso e
omissão pessoal no exercício das suas funções.
Foi com a
Constituição de 1933 que se abandonou a tradição das anteriores Constituições e
se incluiu no elenco dos direitos e garantias individuais dos cidadãos o
direito ao ressarcimento dos danos efectivos, desde que previstos na lei.
A partir da
Constituição de 1976, a consagração da responsabilidade civil do Estado passou
a ser mais abrangente e a estar especificamente consagrada nos artigos 22º a
271º[5].
No que
respeita à responsabilização civil pelos danos causados ao ambiente, esta
começou por vir especificamente consagrada no artigo 66º. No entanto, com a
revisão de 1989 a sua previsão especial passou a estar inserida na nova redação
do artigo 52º nº3, relativo ao direito de acção popular.
Sendo certo
que, a simples existência do artigo 66º e dos artigos 22º e 271º da
Constituição, já seriam suficientes para responsabilizar o Estado pelos danos
causados ao ambiente.
Com efeito, ao
consagrar- se constitucionalmente o ambiente como direito fundamental, direito
subjectivo público, este passa a ser um direito dos particulares oponíveis ao
Estado.
Tal direito,
para além do seu aspecto positivo (possibilidade de se exigirem actuações
estatais com vista a defender o ambiente), tem também um carácter negativo, no
sentido de que se exige ao Estado a abstenção de agressões ao ambiente, bem
como a indemnização, nos termos da responsabilidade civil, pelos danos
causados.
A questão que
se coloca tem que ver com o problema da responsabilidade civil no domínio do
ambiente, sobretudo se se tiver em conta o tratamento legislativo que parece
ser marcada pela ideia de fragmentação. E isto a dois níveis:
1.
Do regime jurídico, em que se verifica um
tratamento diferenciado da responsabilidade civil da administração e dos
particulares no domínio do ambiente; como ainda no domínio da responsabilidade
civil ambiental existe uma multiplicidade de fontes de direito (Constituição,
D.L nº 48051, Lei de Bases do ambiente, Código Civil, Lei da Acção Popular)
como ainda existe uma regulação parcelar e fragmentada da matéria, dado o
carácter “ estanque” dos sucessivos tratamentos legislativos, que torna
complexa a caracterização do instituto no domínio ambiental.
2.
Do tribunal competente, uma vez que as questões
da responsabilidade civil no domínio do ambiente tanto são da competência da
jurisdição comum como da jurisdição administrativa com os inerentes problemas
de conflito de jurisdições. Em matéria de responsabilidade ambiental, esta
dualidade de jurisdições torna- se ainda mais indesejável, causando “problemas
insolúveis” de determinação de qual o tribunal competente para a reparação de
danos causados pela administração pública[6].
Esta falta de unicidade de
consideração das questões da responsabilidade civil no domínio ambiental,
conduz a uma situação de verdadeira “manta de retalhos”.
Não obstante a fragmentação
legislativa do tratamento da matéria, segundo o professor Vasco Pereira Da
Silva é possível sistematizar a análise de acordo com três vectores que
correspondem a três regimes jurídicos diferenciados, a saber[7]:
·
O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão
Pública,
·
O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão
privada,
·
O regime especial de Responsabilidade sempre que
esteja em causa o Acto Popular,
Convém antes de tudo perceber
quais os pressupostos ou elementos da responsabilidade civil, sendo eles:
1) A
existência de um facto, o dano tem
que ter sido resultado de uma acção ou omissão voluntária do lesante, e não de
um fenómeno natural;
2) O
facto tem que ser ilícito, isto é,
deve ser resultado da violação de um direito alheio ou de uma lei que protege
interesses alheios;
3) A
imputação do facto ao agente seja a título de dolo ou seja a título de negligência;
4) A
existência de um dano, o facto tem
que ter causado prejuízos. Há dois tipos de danos:
a.
Dano
Patrimonial que é aquele que incide sobre bens económicos e é susceptível
de ser avaliado em dinheiro
b.
Dano não Patrimonial[8]
que é aquele que não atinge bens económicos, como a saúde, a tranquilidade etc;
e que como tal é insusceptível de avaliação pecuniária;
5) A
existência de um nexo de causalidade
entre o facto e o dano. Só existe responsabilidade civil se se provar a
existência de uma relação causa- efeito entre o facto e o dano, devendo ser uma
causalidade probabilística[9].
Quanto ao
regime da Responsabilidade por Actos de Gestão Pública; há que considerar que o
ordenamento português ocupa- se da matéria da responsabilidade administrativa
de acordo com uma regra de dualidade: de tratamento legislativo e de jurisdição
competente. Assim, pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão
privada, a administração responde segundo o direito civil perante os tribunais
judiciais; e pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão
pública, a administração responde segundo o direito administrativo perante os
tribunais administrativos[10].
Em resultado
de todas as transformações ao nível das formas de actuação, já não há mais que
distinguir entre actuações administrativas de gestão pública e de gestão
privada, visto que as actividades de carácter técnico da administração pública
não se pautam por critérios estritamente jurídicos, tendo antes que ver com
regras técnicas de actuação.
Como
escreveu em lições passadas, Vasco Pereira Da silva, “a distinção entre actos
de gestão pública e de gestão privada em matéria de responsabilidade civil da
administração pública, que está na base da dualidade de jurisdições actualmente
em Portugal (…) não me parece fazer qualquer sentido, e (…) de iure condendo
seria preferível proceder à unificação do regime jurídico e da jurisdição
competente em matéria de responsabilidade da administração”.
No
entanto, o Professor refere que lhe parece ser o melhor caminho “ de iure
condendo” para a responsabilidade administrativa em geral; já no que concerne à
responsabilidade administrativa em matéria do ambiente, considera preferível
regular específica e unificadamente todo o regime da responsabilidade civil. E
isto porque entende que, no domínio do ambiente, as especificidades da temática
da responsabilidade, indiferentemente de estar em causa uma actividade danosa
realizada por uma entidade pública ou privada, justificam um tratamento
diferenciado e unificado da matéria, da competência de um único tribunal[11].
A
matéria da responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública é
regulada pelo D.L 48051, de 21 de Novembro de 1963, com a derrogação parcial do
regime jurídico (o disposto no artigo 3º)[12],
decorrente do preceituado no artigo 22º da Constituição, que estabelece que a responsabilidade
das entidades públicas é sempre” solidária com os titulares dos seus órgãos,
funcionários ou agentes”.
De acordo com esse Diploma pode assumir três modalidades:
1) Responsabilidade
por facto ilícito culposo,
2) Responsabilidade
pelo risco,
3) Responsabilidade
por actos lícitos,
A Responsabilidade por facto
ilícito culposo (vide o artigo 2º e segs do D.L 48051) é uma responsabilidade
subjectiva, baseada na culpa; de acordo com o artigo 6º do diploma supra, o
facto ilícito tanto abrange “ os actos jurídicos incluindo os actos
administrativos que violam as normas legais, as normas regulamentares ou os
princípios gerais aplicáveis” como também todas as actuações que infrinjam “ as
regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em
consideração”.
Assim,
tanto podem ser geradoras de responsabilidade actuações danosas (ex: decisão de
construção de uma central nuclear, ou a autorização de instalação de uma
indústria poluente) como actuações de carácter técnico lesivas do Ambiente.
Para além de que o facto ilícito tanto pode
ser uma acção como uma omissão administrativa. Logo, existe responsabilidade
por acção, quando se está perante uma actuação administrativa lesiva do
ambiente; ao passo que existe responsabilidade por omissão nos casos de
“carência” de actuação, sempre que em virtude de abstenção ou de negligência, a
administração não tenha praticado os actos que permitiriam assegurar e
efectivar o respeito por certas normas.
No domínio do
ambiente, para além das tradicionais relações bilaterais (entre particular e
uma autoridade administrativa) são muito frequentes os actos administrativos
com eficácia em relação a terceiros, praticados no âmbito de relações
multilaterais, susceptíveis de gerar situações de responsabilidade
administrativa relativamente aos particulares afectados nos seus direitos[13].
Quanto à culpa, esta tem vindo a ser reequacionada
no domínio do ambiente, entendida no seu sentido de imputação de um facto a
alguém, no caso, a uma autoridade ou um agente administrativo, seja a título de
culpa “ individualizada” seja de “ culpa de serviço”.
Relativamente
ao dano, também este no domínio do
ambiente tem especificidades, podendo haver óbvias dificuldades de
quantificação dos danos. Pense- se no caso de um incêndio florestal, que para
além dos prejuízos concretos causados pela destruição das árvores pelo fogo,
podem existir outros danos de difícil quantificação, como o da destruição da
beleza da paisagem, ou do equilíbrio ecológico. Assim é necessário traçar a
linha de fronteira entre danos admissíveis e danos inaceitáveis.
No Direito
Alemão, o critério passou pela ideia de “insuportabilidade” ou
“insuportabilidade” do dano, com o fim de limitar o montante da indemnização
aos danos razoáveis. E esta tende a ser a solução adoptada pela Jurisprudência
e Doutrina dos países europeus.
Quanto ao nexo de causalidade entre o
facto e o prejuízo é também de difícil verificação, porque a maioria das vezes
ocorre um concurso de causas, mas também porque os factos causadores da lesão
ambiental tanto podem agir isoladamente como conjugados, ou até em colisão com
outros factos; para além de poderem depender de circunstâncias externas[14].
Assim, a
solução passa pelo estabelecimento de presunções de causalidade e na via
alternativa poderia ser a consideração da necessidade “ de uma certa
flexibilidade” na aplicação das regras de causalidade, recorrendo às regras de
probabilidade.
No que toca à
responsabilidade do Estado pelo risco, estatui o artigo 8º do D.L 48051 de 21
de Novembro que, “ o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem
pelos prejuízos de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de
coisas e actividades da mesma natureza…”
De acordo com
este preceito legal, a administração fica obrigada a indemnizar pelos danos
causados em resultado do funcionamento de serviços administrativos
especialmente perigosos ou de actividades da mesma natureza, sendo certo que, a
perigosidade tem que revestir um carácter grave. Subjacente a este preceito
está, ainda, a ideia de que, se a administração desenvolve uma determinada
actividade perigosa para a prossecução de um interesse geral, os danos que daí
possam ocorrer não podem ser suportados por algum ou alguns particulares,
impõem- se, assim, à administração o dever de os ressarcir, a não ser em casos
de força maior ou por facto culposo imputável ao particular[15].
A
responsabilidade civil do Estado por factos lícitos encontra consagração
expressa no artigo 9º do D.L 48051, no qual se diz: “ O Estado e demais pessoas
colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral,
mediante actos administrativos legais ou materiais lícitos, tenham imposto
encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”; Quando o Estado ou as
demais pessoas colectivas tenham, em caso de necessidade e por motivo de
imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte,
coisa ou direito de terceiro, deverão indemniza-lo”. Nos termos deste preceito
legal são duas as situações que fazem a administração incorrer na obrigação de
indemnizar, quando:
1)
Realize uma actividade lícita com imposição de
encargos especialmente anormais a determinados particulares;
2)
Se verifique uma situação de estado de
necessidade de um sacrifício especial por parte de um ou de alguns cidadãos[16].
Refira- se que
a responsabilidade ambiental tanto pode dar origem a uma sentença de
reconstituição natural da situação anterior à lesão, como a uma indemnização
por sucedâneo pecuniário. Isso mesmo resulta do artigo 48º da Lei de bases do
Ambiente, que estabelece no seu nrº1, a obrigação do lesante de “remover as
causas de infracção e (…) de repor a situação anterior à mesma ou equivalente,
assim como estipula no nrº3, o “pagamento de indemnização especial” em caso de
impossibilidade de reconstituição natural.
A
Lei de Bases atribui grande importância à responsabilidade civil dedicando- lhe
alguns artigos. A alínea h) do artigo 3º estabelece o princípio da responsabilização.
O artigo 40º nrº 4 consagra um direito subjectivo ao ambiente; o artigo 41º por
sua vez prescreve uma responsabilidade objectiva por danos ao ambiente. O
direito de exigir uma indemnização pelos danos pode ser exercido pelos lesados,
nos tribunais comuns, como estabelece o artigo 45º nrº2.
Trata-
se de uma previsão da Lei de Bases do Ambiente que é aplicável a todo o
universo da responsabilidade ecológica, mesmo que administrativa.
Relativamente
ao regime da responsabilidade por actos de gestão privada, encontra-se regulada
nos artigos 483º e seguintes do código civil; ou seja, é um regime de
responsabilidade aplicável tanto às relações interprivadas, como às relações em
que a administração pública intervém, mas “despida de poderes de autoridade”,
conforme ditava a doutrina clássica. Já atrás se criticou esta distinção entre
gestão pública e gestão privada; pelo que agora cabe apenas analisar o
respectivo regime jurídico- o qual, nem sequer é tão distinto daquele que
vigora para a gestão pública[17]
A
responsabilidade por factos ilícitos encontra- se regulada nos artigos 483º e
seguintes do código civil, e assenta nos clássicos pressupostos: facto ilícito,
culpa do agente, dano, nexo de causalidade entre facto e prejuízo. Refira- se,
todavia, que a responsabilidade das autoridades públicas pelos actos dos seus
órgãos, funcionários e agentes, é solidária (artigo 501º c.c), nos mesmos
termos em que o é igualmente a responsabilidade dos comitentes em relação aos
actos dos seus comissários (artigo 500º) - solidariedade que se verifica, hoje,
face à responsabilidade administrativa por acto de gestão pública, de acordo
com o estabelecido no artigo 22º da Constituição.
A
responsabilidade objectiva está regulada nos artigos 499º e seguintes do código
civil, no entanto, no domínio da responsabilidade ecológica interessa o artigo
509º, relativo aos danos causados por instalações de energia eléctrica ou de
gás, que pode configurar uma hipótese de lesão do ambiente.
Para além
desta previsão específica em matéria ambiental, existe ainda, no artigo 41º da
Lei de Bases a consagração de uma outra modalidade de responsabilidade
objectiva da competência dos tribunais comuns. Assim, de acordo com o nrº 1 “
existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente
tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção
especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável”. Ao
passo que o nrº 2 estabelece que o “ quantitativo da indemnização a fixar por
danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar”. Põe-
se o problema de saber qual o sentido desta previsão genérica de
responsabilidade ambiental, aplicável às lesões do ambiente provocadas quer por
actuações de privados quer por actuações da gestão privada de entidades
administrativas, dado se remeter a fixação do quantitativo da indemnização para
lei posterior, que ainda não existe. Assim, e na ausência de legislação
específica tem sido defendida a posição de que o lesado “ tem, segundo o artigo
41º, o direito a uma indemnização nos termos da responsabilidade objectiva”,
uma vez que, apesar da falta de regulamentação, se trata de “ uma disposição
legal (…) imediatamente aplicável, e caberá, naturalmente, aos tribunais
definir o alcance dessa responsabilidade”.
Esta posição de aplicabilidade
directa da responsabilidade objectiva prevista na Lei de Bases do Ambiente é
reforçada, fazendo apelo ao direito fundamental ao ambiente (artigo 66º da
Constituição). Isto porque a previsão legal da responsabilidade objectiva se
encontra regulada na Lei de Bases do Ambiente, que é uma lei concretizadora do
direito fundamental ao ambiente, o qual na sua vertente negativa, de direito
subjectivo, goza de aplicabilidade imediata e vincula entidades públicas e
privadas (vide o artigo 18º nrº1 da Constituição por força do artigo 17º da
mesma).
Directamente relacionada com a
questão da responsabilidade objectiva está a do seguro obrigatório de
responsabilidade civil relativamente a “actividades que envolvam alto grau de
risco para o ambiente”, constante do artigo 43º da Lei de Bases, e que surge
como contrapartida do alargamento da responsabilidade objectiva, numa lógica de
socialização do risco de certas actividades lesivas do ambiente.
De referir, que tais seguros[18]
de responsabilidade civil para actividades que envolvam risco para o ambiente
(e que tanto podem ser privadas como administrativas) têm importantíssimas
vantagens, por exemplo, o facto de estabelecerem um regime de incentivos
relativamente a atitudes favoráveis ao ambiente por parte dos particulares, em
virtude da existência de prémios de seguro; permitem ainda a redução dos custos
administrativos de fiscalização do cumprimento das regras jurídicas em matéria
de ambiente, transferindo- os parcialmente para as empresas seguradoras; entre
muitas outras.
Torna- se fundamental chamar à
colação um regime especial de responsabilidade, que é comum a actos de gestão
pública e de gestão privada, sempre que esteja em causa o actor popular. A Lei
nrº 83/95, ao regular o direito de participação procedimental e de acção
popular, estabeleceu igualmente regras aplicáveis à responsabilidade
administrativa no domínio ambiental; estando em causa a realização de uma
disposição da lei fundamental relativa ao direito de petição e de acção
popular, constante do artigo 52º da Constituição.
A revisão constitucional de 1989
consagrou um alargamento do direito de acção popular para defesa de direitos
fundamentais, estabelecendo que “ é conferido a todos, pessoalmente ou através
de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular (…),
nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição
judicial das infracções contra a (…) degradação do ambiente e da qualidade de vida
(…), bem como de requerer a correspondente indemnização” (vide o artigo 52ºnrº3
da Constituição).
Assim sendo, a Lei da Acção
Popular tem uma importante aplicação em matéria de responsabilidade ambiental,
de modo a permitir uma tutela adequada tanto daqueles casos em que se verifica
a lesão objectiva de um bem (público); como daqueloutros em que existe a lesão
de interesses de grupo (ou interesses individuais homogéneos).
Conclusão
Do que fica
dita, é incontornável que a responsabilidade ambiental é inequívoca e está
regulada em três tipos de processos: a responsabilidade civil do Estado por
actos de gestão privada; a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão
pública e a responsabilidade civil do Estado quando está em causa o actor
popular.
Apesar dos
seus pressupostos serem equivalentes, note-se que, em matéria de ambiente é
precisamente a responsabilidade civil por actos de gestão pública que, ao
prever a violação de normas de carácter técnico, alarga o conceito de
ilicitude, abrangendo a maior parte dos problemas ambientais.
Apesar dessa
concretização, torna- se, contudo, óbvio que o instituto da responsabilidade
civil é insuficiente para fazer face a todos os problemas relacionados com
questões ambientais. Desde logo, porque não prescinde de um dano
individualizável, o que, se relativamente ao dano ambiental ainda vai sendo
possível, torna- se impossível para o dano ecológico.
Acresce que, o
dano ambiental mesmo que individualizável é anónimo de causador, uma vez que na
maioria dos casos são muitos os factos e agentes que o provocam; mas mesmo nos
casos em que se determina o lesante e o lesado, o instituto da responsabilidade
revela- se inadequado, pois as indemnizações são vistas, pelos poluidores, como
custos de produção com direito de pagamento diferido face a demoras dos
processos judiciais.
A
responsabilidade em matéria ambiental encontra, ainda, sérias dificuldades de
prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano ocorrido.
É inequívoco
que os desafios ambientais colocados pela evolução tecnológica lançam a cada
momento novas questões com uma complexidade jurídica tremenda, que tornam o
regime clássico da responsabilidade num instituto demasiado frágil. É assim
urgente a sua adaptação ao problema actual que é o Ambiente, redefindo- se o
conceito de dano, prevendo- se novas formas de direito probatório e adequando-
se uma melhor regulamentação do seguro de responsabilidade civil ambiental.
Em suma, quem
sabe se a solução para os problemas ambientais não passam pelo recurso a novos
instrumentos de protecção jurídica do ambiente, nomeadamente, instrumentos de
cariz iminentemente preventivo.
Bibliografia
Da Silva, Vasco Pereira “ Verde cor de
Direito” in Lições De Direito Do Ambiente;
Canotilho,
José Gomes; “Introdução Ao Direito Do Ambiente” in Coordenação Científica;
Amaral, Ivone
Rocha; “A Responsabilidade Civil Do Estado” in Direito Administrativo do
Ambiente;
Amado, Carla
Gomes; “ Introdução Ao Direito Do Direito”;
Trabalho
realizado por Marta Araújo, subturma 7
[1] A relacionação do instituto da
responsabilidade civil, que já vem do direito romano, com o Direito do
Ambiente, de acordo com Gilles Martin, conduz a uma espécie de “renascimento do
direito da responsabilidade civil”, ao ser associado a um “Direito realmente
muito jovem, muito específico, um Direito mutante, um Direito de uma nova
espécie” (Gilles Martin, “Responsabilité Civile et Protection de
L´Environnement Introduction”, in
“Ambiente- Textos”, Lisboa, 1994, p.393).
[2]
Consagração expressa na Constituição,
que acolhe o ambiente como direito fundamental do cidadão e como “tarefa
fundamental do Estado” a sua preservação e concretização – art.9º al.d) e e)
[3] Da mesma forma que deixámos vincada a
autonomia do ambiente, enquanto bem jurídico, também como direito fundamental
ele é protegido com autonomia relativamente a outros direitos que lhe são
próximos, por exemplo: direito à saúde, à propriedade.
[4] Processo assente na recusa da jurisdição
comum em atribuir uma indemnização a uma criança de 5 anos de idade, Agnès
Blanco, atropelada por um vagão carregado de tabaco, empurrado por quatro
operários de uma empresa tabaqueira pública e da posterior afirmação pelo
tribunal de conflitos da “ especificidade” das normas a aplicar à administração
em matéria de responsabilidade civil, com o fim de minorar aquela última em
nome da protecçãp do “serviço público”.
[5] A Constituição passou ainda a consagrar, em
vários outros artigos, diferentes formas de responsabilização, como é o caso do
artigo 27º nº5, relativo à responsabilidade do Estado por privação da
liberdade; do artigo 29º nº6 relativo à responsabilidade por danos causados por
condenação injusta; do artigo 62º nº2, respeitante à responsabilidade por
requisição/ expropriação por utilidade pública.
[6] Dir- se- ia, no que respeita à
responsabilidade administrativa em matéria de ambiente que se verifica uma
“duplicação” dos problemas decorrentes da dualidade de jurisdições.
[7] Trata- se da consagração legal de três blocos
autónomos de tratamento da matéria de responsabilidade administrativa; não se
tratando, contudo, de uma tripartição de ordem lógica.
[8]
Danos que não podem ser reparados porque
é impossível apagar, por exemplo, as dores ou o desgosto sofrido; no então é
possível a sua compensação.
[9] Considera- se que um determinado facto foi
causa de um determinado dano se, de acordo com as regras de experiência normal,
aquele tipo de factos for adequado a causar aquele tipo de danos.
[10]
A reforma do Contencioso parece apontar no sentido da unificação do regime
jurídico, assim como da jurisdição competente, no domínio da responsabilidade
civil da administração pública (vide as propostas de lei nrº 92/VIII Código de
Processo nos Tribunais Administrativos, e 95/VIII, Lei da Responsabilidade
Civil Extracontratual do Estado).
[11]
O que em nada contrariaria as disposições constitucionais, que não atribuem à
jurisdição administrativa o “exclusivo” do julgamento das relações
administrativas, conforme é, de resto, o entendimento da Doutrina e
Jurisprudência (artigo 212º da Constituição).
[12] O artigo 3º nº1 do D.L 48051, estabelecia que
“ os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas
colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de
actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais
destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedidos os limites das
suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido
dolosamente”. O que se deve considerar caducado por inconstitucionalidade
superveniente, uma vez que a Constituição impõem que, mesmo nestes casos, para
além da responsabilidade pessoal do funcionário ou agente, exista sempre
responsabilidade solidária por parte das entidades públicas (sem prejuízo do
eventual direito de regresso posterior).
[13] Exemplo de responsabilidade administrativa no
quadro de uma relação multilateral é o caso dos danos causados “ por empresas
privadas contratadas para a realização de obras públicas, para a produção de
bens, ou para a prestação de bens e serviços”. Sendo, então, preciso apurar se
os danos (materialmente) causados por uma empresa privada contratada pela
administração são inerentes à execução da obra, à produção de bem ou à
prestação do serviço, ou se resultam de erros de concepção, casos em que a
responsabilidade cabe, em princípio, à entidade administrativa contratante, ou
se resultam de erros de execução, caso em que a responsabilidade caberá, em
princípio, à empresa contratada. (Pedro Gonçalves, “Os Meios de Tutela perante
os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa” in “
Lusíada”, cit.,pp 72e 73).
[14] Como as condições meteorológicas do momento,
ou a propagação através das águas.
[15] Em matéria de ambiente, assumem particular
importância o caso das centrais nucleares.
[16] O exemplo clássico desta obrigação de
indemnização por parte da administração pública é a expropriação, no entanto
muitas outras situações são geradoras de responsabilidade em especial em
matéria de ambiente. Que outra forma haveria de compensar um vizinho de um
aterro sanitário? Concretizam situações em que a aposição do particular, vítima
desse prejuízo “ especial” e “anormal”, se assemelha ao daqueloutro que foi
expropriado.
[17] O que só por si é mais um argumento a favor
da unificação de todo o regime da responsabilidade administrativa, em geral, e
de toda a responsabilidade civil em matéria de ambiente.
[18] A existência de seguros no domínio da
responsabilidade ambiental, seja no respeitante a privados seja em relação a
entidades públicas, constitui um meio adequado de realização dos objectivos de
prevenção e reparação de danos provenientes de actividades susceptíveis de
fazer perigar o ambiente.
terça-feira, 9 de abril de 2013
Vale assume dois novos compromissos para reduzir gases de efeito estufa
http://www.vale.com/pt/aboutvale/news/paginas/vale-assume-dois-novos-compromissos-para-reduzir-gases-de-efeito-estufa.aspx
A Vale atualmente é no cenário mundial uma das empresas de maior destaque no ramo da mineração. E seus louros não são devido apenas a sua excelência na atuação profissional. A empresa solidificou também a sua marca devido a proeza de conseguir conciliar, com muito sucesso, as atividades de extração com um efetivo desenvolvimento sustentável. Com seus olhos sempre voltados para as questões ambientais, a ideia é de ponderar o uso dos recursos naturais de um forma menos agressiva a natureza.
LÍLIA GOMES OLIVEIRA - NÚMERO DO ALUNO 23919
A Vale atualmente é no cenário mundial uma das empresas de maior destaque no ramo da mineração. E seus louros não são devido apenas a sua excelência na atuação profissional. A empresa solidificou também a sua marca devido a proeza de conseguir conciliar, com muito sucesso, as atividades de extração com um efetivo desenvolvimento sustentável. Com seus olhos sempre voltados para as questões ambientais, a ideia é de ponderar o uso dos recursos naturais de um forma menos agressiva a natureza.
LÍLIA GOMES OLIVEIRA - NÚMERO DO ALUNO 23919
PRIMEIRO TRABALHO DE DIREITO DO AMBIENTE - LÍLIA GOMES OLIVEIRA
Direito
do Ambiente
O
Princípio da Preocupação: Autonomia e objeto
Lília Gomes Oliveira
Lisboa, 2013.
INTRODUÇÃO
“O homem tem o direito
fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida
adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida
digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e
melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.”
(Princípio 1 da Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano/1972)
O Direito do Ambiente surge na
contemporânea conjuntura jurídica como meio legal de tutelar o uso dos componentes
ambientais naturais, quer numa perspectiva restrita, quer numa modalidade de
conceito amplo, ou seja, englobando os componentes ambientais construídos pela
racionalidade humana. Ramo recente e interdiscipinar do Direito, que se revela
com a finalidade precípua de velar pela utilização do ambiente de uma forma
mais equilibrada e sustentável, a fim de solidificar um verdadeiro
desenvolvimento sócio-econômico das sociedades. O
homem tem resguardado o seu direito fundamental a uma existência em um meio
ambiente equilibrado e conservado, como elemento constitutivo da máxima da
“dignidade da pessoa humana”. O meio ambiente é assim, bem jurídico de direitos
individuais e ao mesmo tempo, numa dimensão coletiva, de direitos difusos. No
que se concerne a “geração de Direitos Humanos” (conceito que para o Professor
Vasco Pereira a Silva se revela cabível para designar as fases de execução dos
direitos dos indivíduos), o direito do ambiente se configura na Terceira
geração, como um desdobramento e aperfeiçoamento dos direitos do Homem
(primeira geração direitos políticos e civis e na segunda direitos sociais e
económicos), enquanto garantia difusa e coletiva, direito de todos os cidadãos. Hodiernamente,
a preocupação em desenvolver estudos mais afincos em matéria ambiental, vem em
decorrência do surto de desenvolvimento que a humanidade vivencia e da
consequente necessidade de repensar o destino e a durabilidade dos bens
naturais que dispomos, enquanto bens não renováveis, carentes de proteção, e
indispensáveis para a existência terrestre. A questão ambiental é hoje
vislumbrada como um “problema político”, carente de medidas de ordem pública e
feitos vinculativos a todos, uma vez que a interpretação constitucional é do
meio ambiente enquanto bem jurídico de interesse e direito difuso. Desta forma,
preceitos constitucionais passam a ocupar- se das matérias ambientais,
revelando-se protetora do direito alienável ao ambiente e vida, tanto na
Constituição material (na Constituição Portuguesa no artigo 66, e na Carta
Magna Brasileira especificamente no artigo 22), quanto na previsão formal,
enquanto detentora de princípios integrantes do ordenamento jurídico. A
previsão constitucional das questões do ambiente, se revela como um nítido
avanço na esfera jurídica desse tema, enquanto antes era contemplado apenas em
disposições infraconstitucionais. A Carta fundamental enquanto reflexos da realidade
concreta da vida e dos fatos sociais, dos anseios e aspirações dos cidadãos,
vem a expressar de forma irrefutável a relevância que o tópico tem representado
na ordem do dia. Abordagem jurídica que se volta ao propósito de resguardar
e promover operante a natureza e o
ambiente frente aos ataques humanos; regulamentar e instruir o vínculo
necessário e delicado que existe entre os
bens ambientais e os interesses humanos. A
custódia estatal do ambiente se perfaz nas sociedades modernas como medidas
inerentes e indispensáveis a uma postura ecologicamente consciente e em defesa
das ameaças quiçá fatais da ingerência desenfreada no seio ambiental. Através
de tais garantias constitucionais, que delimita competências e estabelece diretrizes,
o Estado tem imputações objetivas de dever de agir de forma a concretizar não
apenas os imperativos legais, mas também os valores previstos nos Princípios do
Meio Ambiente, que se prestam a tecer alternativas e posicionamentos mais
educados e menos ofensivos as realidades ambientais. Através da atuação
administrativa, o poder público tem o dever a promover ações efetivamente
viáveis para disciplinar a integridade do meio ambiente em relação as
necessidades humanas. Diante
do exposto, veremos de forma breve, como a ideologia ambiental rumo a uma
proteção ecológica tem se configurado no atual painel social e jurídico, por
meio dos caminhos delineados pelo Princípio da Precaução.
1.
A principiologia Ambiental
O sentimento
de incerteza quanto ao futuro ambiental da humanidade é perene e evidente em
todos os debates atuais sobre a questão ecológica. Os desastres naturais em
larga escala, bem como diversas alterações climáticas e outros transtornos
ambientais, vem ilustrar claramente o triste enquadramento em que nos
encontramos em razão da ingerência destruidora do homem. Desta maneira, devido
as grandes polêmicas ambientais que estão a ser mais frequentes e analisadas, o
Direito do Ambiente passa a ter maior relevância jurídica, erigindo seus
Princípios a gravitarem por vezes acima da Magna Carta, na categoria de “Direito
Humano Fundamental”. No que se concerne ao Direito do Ambiente, os princípios
seriam alicerces, pilares de estruturação para o desenvolvimento teórico e
prático do seu estudo e efetividade. Nesta temática, os “Princípios jurídicos
do Ambiente” se situam como fonte normativa, implícita ou explícita, de caráter
geral e abstrato, que se prestam a ser norte orientador de interpretação e a
dar arcabouço para a estruturação aos demais preceitos e ações legais nessa
matéria. Visando uma conceituação mais doutrinária, se faz pertinente, expor
uma definição de princípio realizada por Lopes (1999, p. 55):
“mandamento
nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele; disposição fundamental que se
irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere à
tônica e lhe dá sentido harmônico”.
No âmbito
jurídico ambiental, o desejo premente da aplicação desses Princípios é em suma,
conferir eficácia as lições de respeito à natureza e aos seus componentes.
Outro produto que se almeja extrair da observância desses princípios, é o
desenvolvimento urbano-social sensível as questões ambientais. Destarte, esse
trabalho visará a discorrer, ainda que de forma sucinta, sobre um desses
Princípios que se revela compromissado a alcançar esses fins: o Princípio da
Precaução, numa óptica menos fundamentalista e mais situado na conjuntura social. O Princípio
da Precaução surge como corolário do Princípio da Prevenção. Muitos associam
erroneamente a ambos os conceitos a mesma definição, uma vez que ambos
objetivam os mesmos fins, evitar danos ao meio ambiente. O Princípio da
Prevenção e da Precaução se estabelecem na relação gênero, espécie,
respectivamente. Contudo, a diferenciação é mais utilizada em trabalhos
doutrinários, a Constituição Brasileira de 1988, acaba associando os dois
princípios como sinônimos. Para fins didáticos e sistemáticos deste trabalho,
será estabelecida uma breve distinção entre as duas expressões. O Princípio
da Prevenção preceitua que as ações basilares do Direito Ambiental, são as que
visem evitar e identificar preventivamente a consumação de riscos e atentados
que certas atividades possam trazer ao meio ambiente. Seu objetivo precípuo não
é reparar danos ambientais, mas antes disto, evitá-los, identificando o quão
cedo possível a existência de situações potencialmente lesivas ao meio
ambiente, uma espécie de “tutela antecipada”. Visa através de ações da
administração pública, evitar lesões com a antecipação da proteção da natureza.
Assim, o Princípio da Prevenção se apresenta, como bem elucida Antunes (2008, p. 45) como:
“O
princípio da prevenção aplica-se a impactos ambientais já conhecidos e dos
quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade
que seja suficiente para identificação de impactos futuros. Com base no
princípio da prevenção, o licenciamento ambiental e, atém mesmo, os estudos de
impacto ambiental podem ser realizados e são solicitados pelas autoridades
públicas. (..) O licenciamento ambiental, na qualidade de principal instrumento
apto a prevenir danos ambientais, age de forma a evitar e, especialmente, minimizar
e mitigar os danos que uma determinada atividade causaria ao meio ambiente,
caso não fosse submetida ao licenciamento ambiental.”
Desta maneira, o Princípio da Precaução
emana como uma “especialização” do Princípio da Prevenção. Segundo os ditames
deste princípio, inovações e medidas inéditas no tocante a ações relacionadas o
meio ambinete, não poderiam ser
autorizadas se não tivessem um “risco zero” ambiental. Ele exige um extremo
rigor científico, a fim de auferir com o máximo de precisão matemática
possível, se a adoção de determinada ação vanguardista seria lesiva em algum
aspecto ao ambiente. Se a análise fosse tendenciosa a mostrar a possibilidade
de reações adversas a natureza, tais procedimentos teriam que ser vedados. Sob este prisma que será
desenvolvido este trabalho, as dimensões do Princípio da Precaução situadas num
contexto de desenvolvimento socio-econômico. Seriam as perspectivas do
Princípio da Precaução, o mais adequado embasamento jurídico a condicionar a
concretização de políticas públicas em matéria ambiental? Em que termos deve
ser efetivado tal princípio, de modo que se revele eficaz na proteção do meio
ambiente, sem ao mesmo tempo ser um óbice aos avanços tecno-científicos que de
alguma forma afetam o ecossistema em que será empregado? Qual
é o critério de quantificação para a análise de tais riscos ao meio ambiente?
2.
O
Princípio da Precaução e a Atuação Pública
A II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992
foi o acontecimento pioneiro a esgrimir a abordagem dos Princípios da Prevenção
e da Precaução. Foi em tal evento, que a discussão sobre os princípios e outras
diretivas do meio ambiental foram elencadas num debate a nível internacional. Outro
conceito introduzido e largamente colocado em questão foi o “desenvolvimento
sustentável”. Além da consagração de tais concepções ambientais, a CNUMAD teve como objetivo precípuo a busca de
alternativas viáveis que possibilitem modificar a relação inversamente
proporcional existente entre crescimento econômico e equilíbrio ecológico, de
forma que tanto os países desenvovidos como os em desenvolvimento alcançassem
de fato um desenvolvimento estruturado na sustentabilidade. Para a concretização de
horizontes tão visionários, era imprescindível que como base para a execução de
um modelo de crescimento econômico menos ofensivo e danoso a estabilidade
ecológica, estivesse a estrita observância aos Princípios Ambientais da
Prevenção e da Precaução. Assim, A CNUMAD estabeleceu no seu Princípio 15 que “De modo a proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo
com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a
ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para
postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação
ambiental”. O princípio da precaução é
positivado no ordenamento pátrio brasileiro na Lei de Política Nacional do Meio
Ambiente – Lei 6.938, de 31/08/1981, pontualmente no que tange as disposições do
artigo 4, incisos I e IV. Em tal diploma normativo, está expresso o objetivo de
conciliar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, através do
aperfeiçoamento de pesquisas e de tecnologias que comportem o uso racional de
recursos ambientais, inserindo também a avaliação
do impacto ambiental. A fundamentação legal do princípio
da precaução espelha a relevância que a questão ambiental apresenta no cenário
político nacional, além de representar o intuito de otimizar a proteção do meio
ambiente. Juntamente com a missão Constitucional prevista no disposto na Carta
Magna no artigo 225, §1, inciso V, e com a complementação da Lei de Crimes
Ambientais (Lei 9.605/1998, art. 54, § 3º), que elucidam o referido princípio
em seus textos normativos; é construído um arcabouço jurídico que fundamenta a
imposição de diretrizes ao poder público a fim de adotarem medidas e posturas
ambientais suficientemente capazes de normatizar atividades que possam lesar de
forma insuportável o meio ambiente, além de impor imperativos que visem
intimidar tais ações danosas, ou ainda que consigam cessar quando já existente
e se possível minimizar e reparar seus efeitos. Em suma, o princípio da
precaução visa medidas de governabilidade afirmativa em prol do meio ambiente,
operatividade de políticas públicas a fim de cristalizar lições de respeito à
natureza. Adiciona-se a
este panorama, que será no cenário de atuação do princípio da precaução e em
alguma medida também o da prevenção, que se desenvolvem pesquisas sobre a
dimensão dos impactos ambientais, os processos de licenciamento prévio, bem
como penalizações, como medida de “estimulante
negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente” (FIORILLO, 2009, p.
55). No que concerne a afirmativa anterior, é que se enquadra o denominado
Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA, exigência técnica que tem por
finalidade fundamentar e regular requisições de licenciamento/autorização
ambiental de atividades tendenciosas ou efetivamente impactantes. O documento
se presta a tentar dimensionar, dentro das possibilidades metodológicas atuais,
considerando critérios científicos, lícitos, qualitativos e administrativos, os
possíveis impactos e consequências negativas que determinado empreendimento
pode ocasionar a um bem ambiental. Se a avaliação dos meios e fatores naturais
envolvidos no empreendimento correrem algum tipo de “risco”, a expedição e
autorização pública-administrativa para tal ato deve ser expressamente
indeferida. Esta atuação paternalista do poder público manifesta de forma
concreta a qual propósito o princípio ambiental em tela se volta, vedar
situações de que alguma forma são previsivelmente lesivas a ordem ambiental,
tendo como escopo
final, consequentemente a proteção e a qualidade da vida humana.
3- A relatividade do
Princípio da Precaução
Mesmo com a indelével relevância da sistemática
do princípio da Precaução para a proteção do meio ambiente, a teoria ainda
sofre severas críticas quanto a mensuração dos seus critérios, no que tange a
quantificar quais seriam ou não ações prejudiciais a estrutura ambiental e que
deveriam assim ser proscritas. A doutrina desse postulado é censurada no
tocante a impossibilidade de auferir com precisão o denominado “risco zero”.
Ora, mesmo com todos a perspicácia das investigações científicas, e o rigor
técnico a que as experiências são submetidas, ainda assim não existem por
completo provas irrefutáveis. A
razoabilidade, o bom senso e sobretudo o exercício de ponderação dos valores
que estão em cheque, devem ser inerentes a análise dos possíveis riscos.
Ponderar as vantagens e danos, e assim raciocinar sem extremismos qual a
alternativa mais compensável em um contexto global, considerando sempre as
formas de reduzir as proporções lesantes.
O sentimento útil da precaução é comprovar se em determinado ato
inovador há mais vantagens do que riscos, não deve ser utilizado como forma de
vedar e dispensar tudo que é novo. Esse embasamento é o invocado para defender
uma concepção “economicista”, que tende a precingir apenas os danos com real e
manifestamente evidência a causar ofensas irreparáveis ao meio ambiente. Dessa
corrente interpretativa é que delinea pontos delicados que circundam o emprego
real dos mecanismos do princípio da precaução. A grande inquietude que deriva
desse entendimento do princípio da precaução, surge da possibilidade de seu
rigor implicar em uma estagnação da economia e do desenvolvimento de uma
sociedade, uma vez que é dispensada a causalidade concreta (efetivo amoldamento
da conduta lesiva com o dano material), deve também ser considerada a
causalidade em abstrato. Desta forma, bastaria a comprovação da causalidade, em
concreto ou em abstrato, para que fundamentasse uma responsabilidade civil. Para
muitos doutrinadores do direito do ambiente, essa postura mais conservadora é
necessária devido a frequente impossibilidade de reparar lesões ultrajantes ao
meio ambiente. Desta forma, prima pela pela máxima de evitar o dano, em vista
da inviabilidade de remedia-lo. Esse entendimento maximalista face o conteúdo
normativo da precaução, justifica a pretensão do uso da inversão total do ônus
da prova; caberia ao mentor do projeto o encargo probatório da integral e
inquestionável inocuidade da atividade que pretende desenvolver. Existe
ainda, um terceiro posicionamento quanto ao conteúdo interpretativo e a
extensão da aplicabilidade do Princípio da Precaução. Ele assume um perfil
menos extremista e idealista que os anteriores, se colocando como um sentindo
misto e moderado das acepções já elencadas. A concepção “intermédia” tende a
oferecer maior dinâmica e efetividade a Precaução, de modo que esse não fique
apenas como sombra, ou à margem do princípio da prevenção, ao passo que também
evite uma autonomia fundamentalista e utópica, que exige exatidões extremas que
acabam por engessar as suas funções. Esse entendimento, à luz das atuais
necessidades do quadro ambiental e social, traduz com melhor veracidade o âmago
do princípio da precaução. Sua meta é harmonizar
a relação entre acrescer os horizontes econômicos, políticos e sociais e defender o meio ecológico. Assim, essa
abordagem intermediária e moderada da precaução, com a devida vênia, é a nosso
ver a que melhor corresponde as expectativas de tal princípio ambiental. Por se
comprometer em buscar soluções mais sensatas, de forma que não vede toda e qualquer ingerência na estrutura ecológica,
que por vezes é inevitável, coibindo absurdamente qualquer empreendimento; mas
que também discipline de forma racional, responsável e atenta os diversos
fatores de risco. Deve-se almejar um estado de equilíbrio e de
proporcionalidade entre a ponderação dos riscos e os resultados concretos.
CONCLUSÃO
Com a
consagração do direito ao usufruto e gozo de um meio ambiente equilibrado e
saudável na categoria irrevogável de princípio fundamental, o tema ecológico se
projeta no cenário jurídico como carente de proteção e visando assegurar a tal
garantia constitucional segurança e efetividade jurídica. O meio ambiente passa
a ser um bem jurídico disponível a fruição individual e generalizada, o
alargamento da legitimidade de benefício e deveres é a evolução a nível global
da realidade ambiental. Assim,
os novos problemas (como o desenvolvimento industrial, consumo desenfreado,
desperdício e poluição) e as infelizes realidades ambientais desencadearam um cenário
de instabilidade e degradação ecológica que não poderia mais passar
despercebido aos olhos da sociedade. Medidas de cautela e defesa se faziam
inadiavelmente necessárias. Caberia assim, ao poder público, uma vez detentor
da missão de velar pelos interesses e direitos dos cidadãos, exercer ações
administrativas a fim de disciplinar com efeito vinculativo a interferência
humana na natureza e nos seus componentes. Neste contexto, surgem os princípios
ambientais, para direcionar a proteção ao meio ambiente. O Princípio da
Precaução se revela como uma alternativa capaz de gerir e supervisionar de modo
antecipado as possíveis agressões ao meio ambiente, com a finalidade de através
da mensuração anterior dos possíveis riscos ambientais, implantar ações para
evitá-los ou pelo menos reduzi-los. Sua
gênese remonta da doutrina alemã e data do período dos anos 70, 80, denominado
assim naquele contexto por “vorsorgeprinzip”, e que depois foi
traduzido, recebendo a nomenclatura de “precautionary principle”. Diante
de várias produções interpretativas sobre seu conteúdo de conceito, sua
definição abrange, como bem elenca Derani, uma ideia de cuidado, nas palavras
do autor: “O princípio da precaução está ligado
aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como
também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a
tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu
ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta
premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente a uma determinada
atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos
humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da
ciência jamais conseguem captar” [...]. (1997, p.167).
Porém mesmo possuidor de uma definição, sua classificação como princípio
autônomo ainda é objeto de intensa celeuma quanto independência frente ao
princípio da prevenção. Precaução e Prevenção seriam para muitos doutrinadores
e estudiosos do tema ambiental considerados sinônimos, uma vez que a dimensão
de ambos os princípios remetem a objetivos comuns: impedir com antecedência que
o dano ambiental se concretize. Independente
de discussões sobre sua liberdade principiológica, a precaução deve ser
invocada como um princípio jurídico ambiental precetor e orientador de políticas
ambientais, infligindo aos poderes públicos o desenvolvimento e implantação de
instrumentos jurídicos aptos a regulamentar, controlar, disciplinar as nuances
lesantes que atingem a estrutura ambiental.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
GOMES,
Carla Amado, Textos Dispersos de Direito do Ambiente e matérias relacionadas
-II vol., Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa,
Lisboa, 2008, p. 23 e seguintes.
DA SILVA, Vasco Pereira, Ensinar Verde a Direito, Almedina, Coimbra, 2006, p. 13 e seguintes.
DA SILVA, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, páginas 17 e seguintes.
Cláudia Maria Cruz Santos, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria ALexandra de Souza Aragão, Coordenação Científica de José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Estudo do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998.
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DA SILVA, Vasco Pereira, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente, Almedina, Coimbra, 2002, páginas 17 e seguintes.
Cláudia Maria Cruz Santos, José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Maria ALexandra de Souza Aragão, Coordenação Científica de José Joaquim Gomes Canotilho, Introdução ao Estudo do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998.
ANTUNES, Paulo de Bessa.
Direito Ambiental – 7ª edição – Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005
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