terça-feira, 23 de abril de 2013

A Responsabilidade Civil No Direito Do Ambiente


Responsabilidade Civil no Direito Do Ambiente

 

Introdução

A responsabilidade civil é um instituto cuja antiguidade remonta ao Direito Romano, mas que tem vindo a evoluir ao longo dos tempos, adaptando- se às necessidades sentidas pelas sociedades modernas.

No entanto, muitas vezes, ele revela-se um meio inadequado de lidar com os constantes atentados ao Ambiente. Inadequado pelas dificuldades de prova dos seus rigorosos pressupostos, mesmo quando as razões de justiça permitam prescindir daquele pressuposto cuja prova pode ser mais difícil: a culpa. A responsabilidade objectiva, pelo risco ou por factos lícitos, é, sem dúvida, um grande avanço no sentido da correspondência do instituto às constantes necessidades da vida moderna, sem perda de justiça intrínseca.

Todavia, não é ainda suficiente para enquadrar todas as situações de dano e que tantas vezes por falta de prova de um ou outro pressuposto, ficam impunes e por indemnizar. A solução parece estar do lado da aposta em novos instrumentos jurídicos para a protecção do ambiente[1].

A responsabilidade civil da administração pública em matéria do ambiente, é um tema que respeita simultaneamente ao passado, ao presente e ao futuro do Direito Administrativo. E como referiu Gianni Maximo “ ao longo da história o homem cria, modifica, destrói o próprio ambiente, o próprio património cultural, o próprio património natural, a sua obra é contínua destruição”.

Assim, o objectivo será tentar perceber qual o impacto que o instituto da responsabilidade civil tem face ao direito do ambiente, que como se sabe é um Direito Fundamental[2], e na caracterização do ambiente como direito de fundamental, deve também destacar- se o seu entendimento como direito da personalidade humana, bem como a sua autonomia[3].

Desenvolvimento

Como supra se referiu o tema da responsabilidade civil em matéria da ambiente tem uma concretização no passado, no presente e no futuro.

Releva do passado, porque a problemática da responsabilidade da Administração Pública está na origem do direito administrativo, cuja “ certidão de nascimento” foi passada pelo Tribunal de Conflitos Francês, no acórdão Blanco, de 8 de Janeiro de 1873[4], relativo à posterior afirmação pelo tribunal de conflitos da “especificidade” das normas a aplicar à administração em matéria de responsabilidade civil.

Respeita ao presente, uma vez que a protecção do meio ambiente se tem tornado uma tarefa inevitável do Estado Moderno, obrigando à consideração autónoma das questões de responsabilidade ambiental; daqui resultando que o tema da responsabilidade administrativa em matéria do ambiente não pode deixar de ser considerado hoje em dia, no âmbito da problemática do estado de direito do ambiente.

E diz respeito ao futuro, uma vez que os “novos domínios” do direito do ambiente funcionam como verdadeiros “laboratórios” do direito administrativo, obrigando à reavaliação e ao reequacionamento de conceitos tradicionais e à criação de estruturas novas para realidades novas.

Antes de começar a tratar das questões de responsabilidade civil da administração pública, é importante relembrar que a constituição se ocupa das questões ambientais tanto de uma perspectiva subjectiva, enquanto direitos jurídicos; como de uma perspectiva objectiva, enquanto bens jurídicos fundamentais que impõem tarefas estaduais.

A responsabilidade civil directa do Estado esteve ausente das Constituições até 1933. Assim e com efeito as Constituições de 1822,1826,1838 e 1911 apenas consagravam a responsabilidade pessoal dos “ funcionários públicos” por todo o abuso e omissão pessoal no exercício das suas funções.

Foi com a Constituição de 1933 que se abandonou a tradição das anteriores Constituições e se incluiu no elenco dos direitos e garantias individuais dos cidadãos o direito ao ressarcimento dos danos efectivos, desde que previstos na lei.

A partir da Constituição de 1976, a consagração da responsabilidade civil do Estado passou a ser mais abrangente e a estar especificamente consagrada nos artigos 22º a 271º[5].

No que respeita à responsabilização civil pelos danos causados ao ambiente, esta começou por vir especificamente consagrada no artigo 66º. No entanto, com a revisão de 1989 a sua previsão especial passou a estar inserida na nova redação do artigo 52º nº3, relativo ao direito de acção popular.

Sendo certo que, a simples existência do artigo 66º e dos artigos 22º e 271º da Constituição, já seriam suficientes para responsabilizar o Estado pelos danos causados ao ambiente.

Com efeito, ao consagrar- se constitucionalmente o ambiente como direito fundamental, direito subjectivo público, este passa a ser um direito dos particulares oponíveis ao Estado.

Tal direito, para além do seu aspecto positivo (possibilidade de se exigirem actuações estatais com vista a defender o ambiente), tem também um carácter negativo, no sentido de que se exige ao Estado a abstenção de agressões ao ambiente, bem como a indemnização, nos termos da responsabilidade civil, pelos danos causados.

A questão que se coloca tem que ver com o problema da responsabilidade civil no domínio do ambiente, sobretudo se se tiver em conta o tratamento legislativo que parece ser marcada pela ideia de fragmentação. E isto a dois níveis:

1.       Do regime jurídico, em que se verifica um tratamento diferenciado da responsabilidade civil da administração e dos particulares no domínio do ambiente; como ainda no domínio da responsabilidade civil ambiental existe uma multiplicidade de fontes de direito (Constituição, D.L nº 48051, Lei de Bases do ambiente, Código Civil, Lei da Acção Popular) como ainda existe uma regulação parcelar e fragmentada da matéria, dado o carácter “ estanque” dos sucessivos tratamentos legislativos, que torna complexa a caracterização do instituto no domínio ambiental.

2.       Do tribunal competente, uma vez que as questões da responsabilidade civil no domínio do ambiente tanto são da competência da jurisdição comum como da jurisdição administrativa com os inerentes problemas de conflito de jurisdições. Em matéria de responsabilidade ambiental, esta dualidade de jurisdições torna- se ainda mais indesejável, causando “problemas insolúveis” de determinação de qual o tribunal competente para a reparação de danos causados pela administração pública[6].

Esta falta de unicidade de consideração das questões da responsabilidade civil no domínio ambiental, conduz a uma situação de verdadeira “manta de retalhos”.

Não obstante a fragmentação legislativa do tratamento da matéria, segundo o professor Vasco Pereira Da Silva é possível sistematizar a análise de acordo com três vectores que correspondem a três regimes jurídicos diferenciados, a saber[7]:

·         O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão Pública,

·         O regime da Responsabilidade por Actos de Gestão privada,

·         O regime especial de Responsabilidade sempre que esteja em causa o Acto Popular,

Convém antes de tudo perceber quais os pressupostos ou elementos da responsabilidade civil, sendo eles:

1)      A existência de um facto, o dano tem que ter sido resultado de uma acção ou omissão voluntária do lesante, e não de um fenómeno natural;

2)      O facto tem que ser ilícito, isto é, deve ser resultado da violação de um direito alheio ou de uma lei que protege interesses alheios;

3)      A imputação do facto ao agente seja a título de dolo ou seja a título de negligência;

4)      A existência de um dano, o facto tem que ter causado prejuízos. Há dois tipos de danos:

a.       Dano Patrimonial que é aquele que incide sobre bens económicos e é susceptível de ser avaliado em dinheiro

b.      Dano não Patrimonial[8] que é aquele que não atinge bens económicos, como a saúde, a tranquilidade etc; e que como tal é insusceptível de avaliação pecuniária;

5)      A existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Só existe responsabilidade civil se se provar a existência de uma relação causa- efeito entre o facto e o dano, devendo ser uma causalidade probabilística[9].

Quanto ao regime da Responsabilidade por Actos de Gestão Pública; há que considerar que o ordenamento português ocupa- se da matéria da responsabilidade administrativa de acordo com uma regra de dualidade: de tratamento legislativo e de jurisdição competente. Assim, pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão privada, a administração responde segundo o direito civil perante os tribunais judiciais; e pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão pública, a administração responde segundo o direito administrativo perante os tribunais administrativos[10].

Em resultado de todas as transformações ao nível das formas de actuação, já não há mais que distinguir entre actuações administrativas de gestão pública e de gestão privada, visto que as actividades de carácter técnico da administração pública não se pautam por critérios estritamente jurídicos, tendo antes que ver com regras técnicas de actuação.

                Como escreveu em lições passadas, Vasco Pereira Da silva, “a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada em matéria de responsabilidade civil da administração pública, que está na base da dualidade de jurisdições actualmente em Portugal (…) não me parece fazer qualquer sentido, e (…) de iure condendo seria preferível proceder à unificação do regime jurídico e da jurisdição competente em matéria de responsabilidade da administração”.

                No entanto, o Professor refere que lhe parece ser o melhor caminho “ de iure condendo” para a responsabilidade administrativa em geral; já no que concerne à responsabilidade administrativa em matéria do ambiente, considera preferível regular específica e unificadamente todo o regime da responsabilidade civil. E isto porque entende que, no domínio do ambiente, as especificidades da temática da responsabilidade, indiferentemente de estar em causa uma actividade danosa realizada por uma entidade pública ou privada, justificam um tratamento diferenciado e unificado da matéria, da competência de um único tribunal[11].

                A matéria da responsabilidade administrativa por actuação de gestão pública é regulada pelo D.L 48051, de 21 de Novembro de 1963, com a derrogação parcial do regime jurídico (o disposto no artigo 3º)[12], decorrente do preceituado no artigo 22º da Constituição, que estabelece que a responsabilidade das entidades públicas é sempre” solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes”.

De acordo com esse Diploma pode assumir três modalidades:

1)      Responsabilidade por facto ilícito culposo,

2)      Responsabilidade pelo risco,

3)      Responsabilidade por actos lícitos,

A Responsabilidade por facto ilícito culposo (vide o artigo 2º e segs do D.L 48051) é uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa; de acordo com o artigo 6º do diploma supra, o facto ilícito tanto abrange “ os actos jurídicos incluindo os actos administrativos que violam as normas legais, as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis” como também todas as actuações que infrinjam “ as regras de ordem técnica e de prudência comum que devem ser tidas em consideração”.

                Assim, tanto podem ser geradoras de responsabilidade actuações danosas (ex: decisão de construção de uma central nuclear, ou a autorização de instalação de uma indústria poluente) como actuações de carácter técnico lesivas do Ambiente.

 Para além de que o facto ilícito tanto pode ser uma acção como uma omissão administrativa. Logo, existe responsabilidade por acção, quando se está perante uma actuação administrativa lesiva do ambiente; ao passo que existe responsabilidade por omissão nos casos de “carência” de actuação, sempre que em virtude de abstenção ou de negligência, a administração não tenha praticado os actos que permitiriam assegurar e efectivar o respeito por certas normas.

No domínio do ambiente, para além das tradicionais relações bilaterais (entre particular e uma autoridade administrativa) são muito frequentes os actos administrativos com eficácia em relação a terceiros, praticados no âmbito de relações multilaterais, susceptíveis de gerar situações de responsabilidade administrativa relativamente aos particulares afectados nos seus direitos[13].

Quanto à culpa, esta tem vindo a ser reequacionada no domínio do ambiente, entendida no seu sentido de imputação de um facto a alguém, no caso, a uma autoridade ou um agente administrativo, seja a título de culpa “ individualizada” seja de “ culpa de serviço”.

Relativamente ao dano, também este no domínio do ambiente tem especificidades, podendo haver óbvias dificuldades de quantificação dos danos. Pense- se no caso de um incêndio florestal, que para além dos prejuízos concretos causados pela destruição das árvores pelo fogo, podem existir outros danos de difícil quantificação, como o da destruição da beleza da paisagem, ou do equilíbrio ecológico. Assim é necessário traçar a linha de fronteira entre danos admissíveis e danos inaceitáveis.

No Direito Alemão, o critério passou pela ideia de “insuportabilidade” ou “insuportabilidade” do dano, com o fim de limitar o montante da indemnização aos danos razoáveis. E esta tende a ser a solução adoptada pela Jurisprudência e Doutrina dos países europeus.

Quanto ao nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo é também de difícil verificação, porque a maioria das vezes ocorre um concurso de causas, mas também porque os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente como conjugados, ou até em colisão com outros factos; para além de poderem depender de circunstâncias externas[14].

Assim, a solução passa pelo estabelecimento de presunções de causalidade e na via alternativa poderia ser a consideração da necessidade “ de uma certa flexibilidade” na aplicação das regras de causalidade, recorrendo às regras de probabilidade.

No que toca à responsabilidade do Estado pelo risco, estatui o artigo 8º do D.L 48051 de 21 de Novembro que, “ o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza…”

De acordo com este preceito legal, a administração fica obrigada a indemnizar pelos danos causados em resultado do funcionamento de serviços administrativos especialmente perigosos ou de actividades da mesma natureza, sendo certo que, a perigosidade tem que revestir um carácter grave. Subjacente a este preceito está, ainda, a ideia de que, se a administração desenvolve uma determinada actividade perigosa para a prossecução de um interesse geral, os danos que daí possam ocorrer não podem ser suportados por algum ou alguns particulares, impõem- se, assim, à administração o dever de os ressarcir, a não ser em casos de força maior ou por facto culposo imputável ao particular[15].

A responsabilidade civil do Estado por factos lícitos encontra consagração expressa no artigo 9º do D.L 48051, no qual se diz: “ O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”; Quando o Estado ou as demais pessoas colectivas tenham, em caso de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemniza-lo”. Nos termos deste preceito legal são duas as situações que fazem a administração incorrer na obrigação de indemnizar, quando:

1)                         Realize uma actividade lícita com imposição de encargos especialmente anormais a determinados particulares;

2)                         Se verifique uma situação de estado de necessidade de um sacrifício especial por parte de um ou de alguns cidadãos[16].

Refira- se que a responsabilidade ambiental tanto pode dar origem a uma sentença de reconstituição natural da situação anterior à lesão, como a uma indemnização por sucedâneo pecuniário. Isso mesmo resulta do artigo 48º da Lei de bases do Ambiente, que estabelece no seu nrº1, a obrigação do lesante de “remover as causas de infracção e (…) de repor a situação anterior à mesma ou equivalente, assim como estipula no nrº3, o “pagamento de indemnização especial” em caso de impossibilidade de reconstituição natural.

                A Lei de Bases atribui grande importância à responsabilidade civil dedicando- lhe alguns artigos. A alínea h) do artigo 3º estabelece o princípio da responsabilização. O artigo 40º nrº 4 consagra um direito subjectivo ao ambiente; o artigo 41º por sua vez prescreve uma responsabilidade objectiva por danos ao ambiente. O direito de exigir uma indemnização pelos danos pode ser exercido pelos lesados, nos tribunais comuns, como estabelece o artigo 45º nrº2.

                Trata- se de uma previsão da Lei de Bases do Ambiente que é aplicável a todo o universo da responsabilidade ecológica, mesmo que administrativa.

                Relativamente ao regime da responsabilidade por actos de gestão privada, encontra-se regulada nos artigos 483º e seguintes do código civil; ou seja, é um regime de responsabilidade aplicável tanto às relações interprivadas, como às relações em que a administração pública intervém, mas “despida de poderes de autoridade”, conforme ditava a doutrina clássica. Já atrás se criticou esta distinção entre gestão pública e gestão privada; pelo que agora cabe apenas analisar o respectivo regime jurídico- o qual, nem sequer é tão distinto daquele que vigora para a gestão pública[17]

A responsabilidade por factos ilícitos encontra- se regulada nos artigos 483º e seguintes do código civil, e assenta nos clássicos pressupostos: facto ilícito, culpa do agente, dano, nexo de causalidade entre facto e prejuízo. Refira- se, todavia, que a responsabilidade das autoridades públicas pelos actos dos seus órgãos, funcionários e agentes, é solidária (artigo 501º c.c), nos mesmos termos em que o é igualmente a responsabilidade dos comitentes em relação aos actos dos seus comissários (artigo 500º) - solidariedade que se verifica, hoje, face à responsabilidade administrativa por acto de gestão pública, de acordo com o estabelecido no artigo 22º da Constituição.

A responsabilidade objectiva está regulada nos artigos 499º e seguintes do código civil, no entanto, no domínio da responsabilidade ecológica interessa o artigo 509º, relativo aos danos causados por instalações de energia eléctrica ou de gás, que pode configurar uma hipótese de lesão do ambiente.

Para além desta previsão específica em matéria ambiental, existe ainda, no artigo 41º da Lei de Bases a consagração de uma outra modalidade de responsabilidade objectiva da competência dos tribunais comuns. Assim, de acordo com o nrº 1 “ existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável”. Ao passo que o nrº 2 estabelece que o “ quantitativo da indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar”. Põe- se o problema de saber qual o sentido desta previsão genérica de responsabilidade ambiental, aplicável às lesões do ambiente provocadas quer por actuações de privados quer por actuações da gestão privada de entidades administrativas, dado se remeter a fixação do quantitativo da indemnização para lei posterior, que ainda não existe. Assim, e na ausência de legislação específica tem sido defendida a posição de que o lesado “ tem, segundo o artigo 41º, o direito a uma indemnização nos termos da responsabilidade objectiva”, uma vez que, apesar da falta de regulamentação, se trata de “ uma disposição legal (…) imediatamente aplicável, e caberá, naturalmente, aos tribunais definir o alcance dessa responsabilidade”.

                Esta posição de aplicabilidade directa da responsabilidade objectiva prevista na Lei de Bases do Ambiente é reforçada, fazendo apelo ao direito fundamental ao ambiente (artigo 66º da Constituição). Isto porque a previsão legal da responsabilidade objectiva se encontra regulada na Lei de Bases do Ambiente, que é uma lei concretizadora do direito fundamental ao ambiente, o qual na sua vertente negativa, de direito subjectivo, goza de aplicabilidade imediata e vincula entidades públicas e privadas (vide o artigo 18º nrº1 da Constituição por força do artigo 17º da mesma).

                Directamente relacionada com a questão da responsabilidade objectiva está a do seguro obrigatório de responsabilidade civil relativamente a “actividades que envolvam alto grau de risco para o ambiente”, constante do artigo 43º da Lei de Bases, e que surge como contrapartida do alargamento da responsabilidade objectiva, numa lógica de socialização do risco de certas actividades lesivas do ambiente.

                De referir, que tais seguros[18] de responsabilidade civil para actividades que envolvam risco para o ambiente (e que tanto podem ser privadas como administrativas) têm importantíssimas vantagens, por exemplo, o facto de estabelecerem um regime de incentivos relativamente a atitudes favoráveis ao ambiente por parte dos particulares, em virtude da existência de prémios de seguro; permitem ainda a redução dos custos administrativos de fiscalização do cumprimento das regras jurídicas em matéria de ambiente, transferindo- os parcialmente para as empresas seguradoras; entre muitas outras.

                Torna- se fundamental chamar à colação um regime especial de responsabilidade, que é comum a actos de gestão pública e de gestão privada, sempre que esteja em causa o actor popular. A Lei nrº 83/95, ao regular o direito de participação procedimental e de acção popular, estabeleceu igualmente regras aplicáveis à responsabilidade administrativa no domínio ambiental; estando em causa a realização de uma disposição da lei fundamental relativa ao direito de petição e de acção popular, constante do artigo 52º da Constituição.

                A revisão constitucional de 1989 consagrou um alargamento do direito de acção popular para defesa de direitos fundamentais, estabelecendo que “ é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular (…), nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a (…) degradação do ambiente e da qualidade de vida (…), bem como de requerer a correspondente indemnização” (vide o artigo 52ºnrº3 da Constituição).

                Assim sendo, a Lei da Acção Popular tem uma importante aplicação em matéria de responsabilidade ambiental, de modo a permitir uma tutela adequada tanto daqueles casos em que se verifica a lesão objectiva de um bem (público); como daqueloutros em que existe a lesão de interesses de grupo (ou interesses individuais homogéneos).

 

Conclusão

 

Do que fica dita, é incontornável que a responsabilidade ambiental é inequívoca e está regulada em três tipos de processos: a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão privada; a responsabilidade civil do Estado por actos de gestão pública e a responsabilidade civil do Estado quando está em causa o actor popular.

Apesar dos seus pressupostos serem equivalentes, note-se que, em matéria de ambiente é precisamente a responsabilidade civil por actos de gestão pública que, ao prever a violação de normas de carácter técnico, alarga o conceito de ilicitude, abrangendo a maior parte dos problemas ambientais.

Apesar dessa concretização, torna- se, contudo, óbvio que o instituto da responsabilidade civil é insuficiente para fazer face a todos os problemas relacionados com questões ambientais. Desde logo, porque não prescinde de um dano individualizável, o que, se relativamente ao dano ambiental ainda vai sendo possível, torna- se impossível para o dano ecológico.

Acresce que, o dano ambiental mesmo que individualizável é anónimo de causador, uma vez que na maioria dos casos são muitos os factos e agentes que o provocam; mas mesmo nos casos em que se determina o lesante e o lesado, o instituto da responsabilidade revela- se inadequado, pois as indemnizações são vistas, pelos poluidores, como custos de produção com direito de pagamento diferido face a demoras dos processos judiciais.

A responsabilidade em matéria ambiental encontra, ainda, sérias dificuldades de prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano ocorrido.

É inequívoco que os desafios ambientais colocados pela evolução tecnológica lançam a cada momento novas questões com uma complexidade jurídica tremenda, que tornam o regime clássico da responsabilidade num instituto demasiado frágil. É assim urgente a sua adaptação ao problema actual que é o Ambiente, redefindo- se o conceito de dano, prevendo- se novas formas de direito probatório e adequando- se uma melhor regulamentação do seguro de responsabilidade civil ambiental.

Em suma, quem sabe se a solução para os problemas ambientais não passam pelo recurso a novos instrumentos de protecção jurídica do ambiente, nomeadamente, instrumentos de cariz iminentemente preventivo.

Bibliografia

 Da Silva, Vasco Pereira “ Verde cor de Direito” in Lições De Direito Do Ambiente;

Canotilho, José Gomes; “Introdução Ao Direito Do Ambiente” in Coordenação Científica;

Amaral, Ivone Rocha; “A Responsabilidade Civil Do Estado” in Direito Administrativo do Ambiente;

Amado, Carla Gomes; “ Introdução Ao Direito Do Direito”;

 

 

Trabalho realizado por Marta Araújo, subturma 7



[1]  A relacionação do instituto da responsabilidade civil, que já vem do direito romano, com o Direito do Ambiente, de acordo com Gilles Martin, conduz a uma espécie de “renascimento do direito da responsabilidade civil”, ao ser associado a um “Direito realmente muito jovem, muito específico, um Direito mutante, um Direito de uma nova espécie” (Gilles Martin, “Responsabilité Civile et Protection de L´Environnement  Introduction”, in “Ambiente- Textos”, Lisboa, 1994, p.393).
[2]  Consagração expressa na Constituição, que acolhe o ambiente como direito fundamental do cidadão e como “tarefa fundamental do Estado” a sua preservação e concretização – art.9º al.d) e e)
[3]  Da mesma forma que deixámos vincada a autonomia do ambiente, enquanto bem jurídico, também como direito fundamental ele é protegido com autonomia relativamente a outros direitos que lhe são próximos, por exemplo: direito à saúde, à propriedade.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[4]  Processo assente na recusa da jurisdição comum em atribuir uma indemnização a uma criança de 5 anos de idade, Agnès Blanco, atropelada por um vagão carregado de tabaco, empurrado por quatro operários de uma empresa tabaqueira pública e da posterior afirmação pelo tribunal de conflitos da “ especificidade” das normas a aplicar à administração em matéria de responsabilidade civil, com o fim de minorar aquela última em nome da protecçãp do “serviço público”.
[5]  A Constituição passou ainda a consagrar, em vários outros artigos, diferentes formas de responsabilização, como é o caso do artigo 27º nº5, relativo à responsabilidade do Estado por privação da liberdade; do artigo 29º nº6 relativo à responsabilidade por danos causados por condenação injusta; do artigo 62º nº2, respeitante à responsabilidade por requisição/ expropriação por utilidade pública.
[6]  Dir- se- ia, no que respeita à responsabilidade administrativa em matéria de ambiente que se verifica uma “duplicação” dos problemas decorrentes da dualidade de jurisdições.
[7]  Trata- se da consagração legal de três blocos autónomos de tratamento da matéria de responsabilidade administrativa; não se tratando, contudo, de uma tripartição de ordem lógica.
[8]  Danos que não podem ser reparados porque é impossível apagar, por exemplo, as dores ou o desgosto sofrido; no então é possível a sua compensação.
[9]  Considera- se que um determinado facto foi causa de um determinado dano se, de acordo com as regras de experiência normal, aquele tipo de factos for adequado a causar aquele tipo de danos.
[10] A reforma do Contencioso parece apontar no sentido da unificação do regime jurídico, assim como da jurisdição competente, no domínio da responsabilidade civil da administração pública (vide as propostas de lei nrº 92/VIII Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 95/VIII, Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado).
[11] O que em nada contrariaria as disposições constitucionais, que não atribuem à jurisdição administrativa o “exclusivo” do julgamento das relações administrativas, conforme é, de resto, o entendimento da Doutrina e Jurisprudência (artigo 212º da Constituição).
 
[12]  O artigo 3º nº1 do D.L 48051, estabelecia que “ os titulares do órgão e os agentes administrativos do Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos que ofendam os direitos destes ou as disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, se tiverem excedidos os limites das suas funções ou se, no desempenho destas e por sua causa, tiverem procedido dolosamente”. O que se deve considerar caducado por inconstitucionalidade superveniente, uma vez que a Constituição impõem que, mesmo nestes casos, para além da responsabilidade pessoal do funcionário ou agente, exista sempre responsabilidade solidária por parte das entidades públicas (sem prejuízo do eventual direito de regresso posterior).
[13]  Exemplo de responsabilidade administrativa no quadro de uma relação multilateral é o caso dos danos causados “ por empresas privadas contratadas para a realização de obras públicas, para a produção de bens, ou para a prestação de bens e serviços”. Sendo, então, preciso apurar se os danos (materialmente) causados por uma empresa privada contratada pela administração são inerentes à execução da obra, à produção de bem ou à prestação do serviço, ou se resultam de erros de concepção, casos em que a responsabilidade cabe, em princípio, à entidade administrativa contratante, ou se resultam de erros de execução, caso em que a responsabilidade caberá, em princípio, à empresa contratada. (Pedro Gonçalves, “Os Meios de Tutela perante os Danos Ambientais provocados no Exercício da Função Administrativa” in “ Lusíada”, cit.,pp 72e 73).
[14]  Como as condições meteorológicas do momento, ou a propagação através das águas.
[15]  Em matéria de ambiente, assumem particular importância o caso das centrais nucleares.
[16]  O exemplo clássico desta obrigação de indemnização por parte da administração pública é a expropriação, no entanto muitas outras situações são geradoras de responsabilidade em especial em matéria de ambiente. Que outra forma haveria de compensar um vizinho de um aterro sanitário? Concretizam situações em que a aposição do particular, vítima desse prejuízo “ especial” e “anormal”, se assemelha ao daqueloutro que foi expropriado.
[17]  O que só por si é mais um argumento a favor da unificação de todo o regime da responsabilidade administrativa, em geral, e de toda a responsabilidade civil em matéria de ambiente.
[18]  A existência de seguros no domínio da responsabilidade ambiental, seja no respeitante a privados seja em relação a entidades públicas, constitui um meio adequado de realização dos objectivos de prevenção e reparação de danos provenientes de actividades susceptíveis de fazer perigar o ambiente.

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